Diretor: Tatiana Issa, Raphael Alvarez
Roteiro: Tatiana Issa, Raphael Alvarez
Elenco: Claudio Tovar, Ciro Barcelos, Bayard Tonelli, Rogerio de Poly, Benedito Lacerda, Gilberto Gil, Nelson Motta, Marília Pêra, Ney Matogrosso, Betty Faria
Fotografia:Tatiana Issa, Raphael Alvarez
Montagem: Raphael Alvarez
Produtor: Tatiana Issa, Raphael Alvarez
Produtora: TRIA Productions, Canal Brasil
Duração: 110 minutos
Documentário – Digital
País:Brasil
Ano: 2009
COTAÇÃO: MUITO BOM
A opinião
“Para mim, palhacinhos de cílios postiços”, diz Tatiana Issa, diretora do filme junto com Raphael Alvarez. Ela vivenciou o grupo Dzi Croquettes, por ter o seu pai um dos técnicos desta trupe. Intercalam-se imagens de arquivo da história do golpe militar e da censura cultural e do glamour das apresentações. Eram homens, vestidos de mulher, com pêlos, que revolucionaram uma época e “enganaram” a ditadura com o seu humor ácido, ingênuo, “cáustico” e politicamente manipulador.
A trajetória do irreverente grupo carioca Dzi Croquettes, que marcou o cenário artístico brasileiro nos anos 70. O conjunto contestava a ditadura por meio do deboche e da ironia e defendia a quebra de tabus sociais e sexuais. O grupo é lembrado por depoimentos de artistas e amigos como Liza Minnelli, Ron Lewis, Gilberto Gil, Nelson Motta, Marília Pêra, Ney Matogrosso, Betty Faria, José Possi Neto, Miéle, Jorge Fernando, César Camargo Mariano, Cláudia Raia, Miguel Falabella, Pedro Cardoso, Norma Bengell, Aderbal Freire Filho, Maria Zilda, Elke Maravilha, Edir Duqui, Geraldo Carneiro, Dario Menezes, Gilberto Gil, Amir Haddad, José Paulo Corrêa, Miguel Falabela, Marly Tavares, Nêga Vilma, Marcos Jatobá, Lidoka e Leiloca, embalado com músicas de Chico Buarque, Elis Regina, Billie Holiday e “Assim falava Zaraustra”, impulsionando um espetáculo de borboletas voadoras humanas.
“Ditadura é a dona do sistema”, diz-se. “O problema não é a música, é a ideia”, parafraseia-se o discurso dos censores. Dzi Croquettes inova a linguagem teatral com personagens rebeldes e extremamente inteligentes. Eles deturpavam a mensagem apresentada. Havia o pleno conhecimento do uso da palavra e das ações. O escracho possuía competência nata e poliglota. “A vida é um cabaret”, resumia-se.
“Androgenia. Machos com pelos dançando iguais a machos, com uma sexualidade duvidosa”, defini-se. “Possibilidade absoluta do exercício da sexualidade”, complementa-se. “Sexy, engraçado, machos, fêmeas, excêntricos, originais, aventureiros, bandoleiros, exagerados”, diz-se. “O talento subpujava qualquer graça”, filosofa-se. Há frases e palavras, durante todo o filme, que expressam e explicam o que foi esse movimento que criou bordões e estilo próprios.
“Revolução de comportamento e sexual. Contra a caretice”, diz-se ao tratar a questão da proibição dos shows. A narrativa entrevista amigos, participantes da trupe, técnicos, tietes (termo nascido na época) e pessoas que foram influenciadas. As imagens de arquivo mostram a revolução de 1964, os shows do grupo, os ensaios, entrevistas do tempo passado, porém se não fosse o acervo pessoal dos próprios depoentes, talvez não fosse possível a realização deste documentário, por causa do incêndio que ocorreu nos arquivos de Nova Iorque.
“Derrubando conceitos e preconceitos. A censura não entendia. Não se conseguia captar onde estava a ameaça”, diz-se e retrata o sucesso fenomenal, as idas a Europa, os dissabores, as perdas e os ganhos. “Era uma família”, chora-se.
“Pra que fazer guerra, se podemos fazer arte”, expressa-se o objetivo deste grupo. “Fumava-se muito baseado (maconha) e ficava besteirol”, a gargalhada vem fácil. Os shows viajaram o Brasil, tendo o Cabaret Casanova e Beco das Garrafas, na Lapa, do Rio de Janeiro e teatros de São Paulo. “Bossa, um jeito de fazer”, explica-se a Bossa Nova. “Lennie Dale introduziu o profissionalismo no teatro. É Bob Fosse (‘All that jazz’)”, ensina-se aos desavisados. “o grupo era força, um tesão”, apimenta-se.
“Anos 70 foram muito criativos. Um movimento purpurina”, diz-se. “Você está namorando um gay?”, pergunta-se a Elke Maravilha. Ela responde “Qual o problema? Primeiro é a cabeça, depois o resto”. Era o início da revolução gay. “Queríamos ser iguais a eles”, os entrevistados confessam. Eram tantas “tietes”, que resolveram fazer uma ramificação: as Dzi Croquettas. “Era uma opção de vida, fui embora de casa”, diz-se uma delas. Daí surgiu o grupo “As Frenéticas”. “Mudou a cultura de um país. Um dicionário Dzi”, relembra-se.
O documentário possui uma segunda parte dentro da narrativa. Muda-se o foco. Retrata o sucesso em Paris, em 1974, com entrevistas francesas e como aquele movimento se tornou um marco histórico. “Alegre, lúdico, me fez descobrir o Brasil”, diz-se, mostrando passagens da diva Josephine Baker. “Ficaram ricos, foi um sucesso”. Na Bahia, o grupo se separa, modifica-se o estilo, retorna-se ao anterior, novo sucesso, decadência, novo sucesso até o “câncer gay” (aids) aparecer e “levar” os seus integrantes. Assassinatos e aneurisma também foram os responsáveis pelo término. O tom do longa adquire seriedade e pesa o espectador. Necessário.
Entre homenagens ao pai de Issa, uma época é traduzida aos espectadores. “Loucos, livres, libertários, masculinidade. É uma marca. Felizes eles foram, por isso deu certo. Nem homem, nem mulher, gente”, diz-se. “Bicha não morre, vira purpurina”, dizia o pai da diretora. Então ela finaliza “Meu pai virou purpurina em 2001”.
Vale muito a pena ser visto. Recomendo. Traça um perfil de um momento, de um época que estava ávida por uma revolução social. Quebrar paradigmas, impor o novo, desestruturar o suposto certo. Os Dzi Croquettes foram responsáveis por um novo futuro, pelo presente, que vivemos agora. Os diretores conseguem transmitir a nostalgia do que aconteceu e cria em quem assiste do outro lado da tela a sensação única de ter vivido uma experiência com muito glitter e tecnicamente impecável.
Tatiana Issa – Nasceu em São Paulo, mas passou grande parte da infância na Europa. Filha do cenógrafo Américo Issa, começou sua carreira de atriz aos sete anos de idade. Interpretou a heroína Ceci no filme O Guarani (1996), baseado no clássico de José de Alencar. Estudou Teatro, Cinema, História da Arte, Língua e Literatura em países como França, Itália, Inglaterra, Áustria, Alemanha e EUA. Iniciou a carreira de diretora com o curta americano Medusa, realizado em parceria com Raphael Alvarez. Dzi Croquettes é seu primeiro longa-metragem.
Raphael Alvarez – Nasceu no Rio de Janeiro. Desde criança participou de comerciais, peças teatrais e novelas de TV. Mudou-se para Nova York para aprimorar sua carreira como ator. Estudou Atuação, Teatro e Produção na Academia Americana de Artes Dramáticas. Participou do elenco de musicais da Broadway como West Side Story, O Beijo da Mulher Aranha e Jesus Cristo Superstar. Também estudou Edição, Direção e Fotografia na New York Film Academy e Canto no Broadway Dance Center. Dzi Croquettes é sua estreia na direção de longas-metragens.
1 Comentário para "Dzi Croquetes"
Parabénd Fabrício pelo Blog e pela inteligência dos seus comentários. Abs, tom