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Dying – A Última Sinfonia

Drama familiar em concerto

Por Pedro Sales

Mostra de São Paulo 2024

Dying – A Última Sinfonia

Réquiem é um estilo de composição criado como acompanhamento da missa dos mortos, realizada pela Igreja Católica, sobretudo no contexto de funerais. Artistas como Mozart, Brahms, Verdi e Stravinsky são alguns que compuseram réquiens. As composições geralmente musicam os textos – e os hinos – da missa de réquiem com coro e orquestra: Introito, Kyrie Eleison, Dies Irae, Ofertório, Sanctus, Agnus Dei e Libera Me.  Tal explanação simples da estrutura da missa de réquiem e das composições na música erudita destinadas à celebração dialoga frontalmente com a temática de “Dying – A Última Sinfonialonga que une os dois principais elementos até agora apresentados: morte e música. O vencedor do prêmio de melhor roteiro do Festival de Berlim, porém, oferece mais do que isso. Por meio de uma narrativa capitular que alterna pontos de vista, o diretor Matthias Glasner complexifica as relações neste potente drama familiar.

Sentada no chão, Lissy Lunies (Corinna Harfouch) liga para o filho, mas fica na caixa postal. A idosa comunicaria a condição de agravamento da demência do esposo Gerd (Hans Uwe Bauer). A trama que inicialmente parece ser apenas sobre a degradação da saúde durante a velhice se revela mais complexa ao passo que insere os dramas dos filhos Tom (Lars Eidinger) e Ellen (Lilith Stangenberg). Neste sentido, a introdução traz um realismo semelhante ao de “Amor” (2012), longa de Michael Haneke. Há o pesar dos cuidados entre o casal de idosos e a piora de Gerd, que o leva a ser internado em uma casa de repouso. Portanto, o espectador fica predisposto a esperar o desenrolar do drama dos idosos, com os esquecimentos e as burocracias do apoio do Estado. Com pouco mais de 20 minutos, Matthias Glasner rompe com a previsibilidade ao trocar a visão de Lissy pela de Tom.

O maestro ensaia a peça musical do amigo Bernard (Robert Gwisdek), intitulada “Morrendo”, que não chega a ser um réquiem, mas compartilha do mesmo caráter fúnebre. No meio disso, ainda lida com a doença do pai e o nascimento da filha de sua ex-namorada, a quem ele ajuda no parto e exerce uma espécie de paternidade socioafetiva, mesmo com o pai biológico presente. As relações, no mínimo, curiosas de Tom trazem para “Dying – A Última Sinfonia” um pouco de humor ácido, sobretudo na paternidade, que dividem espaço com a frieza do personagem. O que acaba sendo a completa antítese do capítulo de Ellen, em que as questões familiares ficam em segundo plano para uma vida regada a álcool e um amor líquido com o companheiro de trabalho Sebastian (Ronald Zehrfeld). Os momentos de intersecção entre os núcleos demonstram controle cênico de Glasner para criar desconforto e, mais uma vez, um humor absurdo: atraso no funeral devido à carga do carro elétrico, crise de tosse no espetáculo.

A variação de tons do longa acompanha também abordagem formal distinta. O capítulo de Lissy tem o tom realista mais pesado. No de Tom a decupagem, isto é as escolhas dos planos, obedece a uma lógica mais controlada que se associa diretamente à própria função do personagem. É com o cuidado metódico de um maestro que o diretor alterna os planos de Tom regendo e da orquestra tocando. É com o mesmo rigor e frieza nos planos fixos que ele filma o diálogo entre mãe e filho, dilacerador na medida em que as verdades saem. Parece que não há espaço para mais ninguém naquela mesa, nem para respirar. Muito espaço, por outro lado, sobra com Ellen. A câmera trôpega na mão, o uso do neon, a loucura das noites de bebedeira e os planos zenitais dão um aspecto visivelmente mais estilizado ao longa. Assim, coloca o espectador dentro da relação dela com o colega dentista e reforça a distância com a família até mesmo pelo tratamento distinto da mise-en-scène.

Dedicado aos vivos e mortos da família do diretor, “Dying – A Última Sinfonia” é um filme que se estrutura bem na alternância entre o drama pesado, com um texto muito ferino e sucessões de tragédias, e o humor ácido que entrecorta o ritmo fúnebre que guia boa parte da rodagem. Há ainda um esforço notável em estruturar e fazer funcionar as três horas do longa. Neste sentido, a narrativa capitular ajuda a renovar sucessivamente o encaminhamento dramático, pelo uso de elipses e novos conflitos dos diferentes personagens. É como se fossem diferentes movimentos em uma composição. Para voltar ao réquiem, o Intróito vem com a mãe, Kyrie Eleison com Tom e Dies Irae, parte mais apoteótica da composição, com Ellen, até chegar à resolução. A decisão de Matthias Glasner de filmar de acordo com o tom de cada um dos personagens também traz esse frescor. Os encontros das linhas narrativas, altamente antecipados pelo espectador, funcionam como clímax, mas também exercem carga cômica. Nos dois últimos capítulos, o cineasta encontra formalmente o equilíbrio que marca o drama familiar em concerto em sua totalidade.

4 Nota do Crítico 5 1

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