Curta Paranagua 2024

Do Mundo Nada Se Leva

Em Busca da Humanidade

Por Fabricio Duque

Do Mundo Nada Se Leva

Em seu vigésimo oitavo filme, o cineasta estadunidense Frank Capra não perde a predileção pela narrativa-essência de imersão moral ao invocar personagens que se encontram no centro de suas dualidades existencialistas e socialmente maniqueístas, entre a certeza concreta de um futuro e a liberdade de se permitir ser o que sempre se desejou ser. Em “Do Mundo Nada Se Leva”, nós espectadores somos conduzidos por um teatro da vida privada que contrasta com as regras robóticas do mundo moderno, ainda que em 1938, com suas habituais e recorrentes intrínsecas reviravoltas facilitadas pelo acaso quase de divindade política. Sim, a filosofia psicanalítica já nos ensinou que todas as questões angustiantes são universais e atravessam épocas. 

“Do Mundo Nada Se Leva” é uma fábula sobre o comportamento humano enquanto indivíduo social. Pode também ser uma obra de autoajuda por nos apresentar a mensagem do principal sentido da vida: a simplicidade de encontrar felicidade nas pequenas coisas e nas mais ordinárias vivências. Assistir a um longa-metragem de Frank Capra é embarcar em uma terapia cognitiva a nossos quereres mais escondidos. É transmutar condicionamentos populares em prazeres individuais e altamente compartilhados com quem amamos. É um filme sobre a amizade e sobre a plenitude do viver enquanto ser vivo, mitigando a metáfora da condição de “ovelha”. 

É também um conto à moda realista-fantástica de “Alice no País das Maravilhas” quando expande a mente a fim de explorar possibilidades e únicas loucuras reinantes em cada um de nós. “Do Mundo Nada Se Leva” acontece pela análise psicológica dos valores morais, quase ingênuos dentro de um mundo nada inocente, hostil, tóxico, egoísta e que não encontra limites ao “passar a perna” (e atropelar tudo e todos) no outro em prol do bem comum e do “progresso”. É saltar no vazio. Lançar a sorte. Sair da Caverna de Platão. Perder o medo do ir. Tornar-se um lírio. Correr atrás do sonho, mesmo que este seja impossível, utópico e ininteligível. 

“Do Mundo Nada Se Leva” debate diversidades, principalmente das classes sociais. Aristocracia versus plebe. Os menos favorecidos caminham entre dois mundos paralelos, como um portal sensorial. Alice, nossa personagem link, tenta com o “sonho do amor” unir os dois “planetas”. De um lado, o extremo realismo dos riscos. Do outro, as invenções dos “lunáticos”, estes os excluídos, a “escória” à margem da sociedade, incompatíveis dentro da burocracia padronizada da existência, saem da caixa com seus fogos de artifício e suas pequenas revoluções transgressoras (dançam e beijam em público, indo de encontro com as leis “Distúrbios da Paz” da época – aparentar não arruaças). 

A casa-comuna, lugar em que tudo se desembaralha, simboliza a resistência, um refúgio, o “centro do portal” do não fingimento a uma nova maneira de viver (com “doce poesia”, sonhos alheios e com o quadro do “Lar Doce Lar” que sempre cai com as desventuras-confusões diárias), enaltecendo os princípios éticos humanistas (“sem malícia”, caridade e altruísmo) do presidente Abraham Lincoln, um “ator” sempre presente e citado nos filmes de Capra. São loucos “pensantes” com seus “ismos alérgicos” e suas alfinetadas “americanismos”, ainda que os empregados continuem negros.

“Cuidado com a revolução: ela está chegando”, imprimem como “ensaios de lucidez”. Como já foi dito, suas personagens são livres na essência da liberdade, não são sensíveis, tampouco sentimentais, são perspicazes e pontuam lembranças emocionais. Quebram regras e tradições, como a de comemorar aniversário (dão presentes e descobrem o dia quando sentem vontades). E não se intimidam com a Receita Federal tentando abocanhar os impostos. São vulneráveis, porém não idiotas. Eles “pagam por algo sensato” e ou questionam o ir e vir de “não ha cercas, mas há leis de um lugar a outro”. Vivem num “mundo Walt Disney” e sua animação “Branca de Neve e os Sete Anões” de 1937.

“Do Mundo Nada Se Leva” é uma utopia. De construir personagens que já “acharam o que procuram”, que lutam contra a “comercialização do medo”, que possuem “coragem” para impor seus ideais a todo instante e sem hora marcada e que não criam mais “desculpas” a fim de concretizar sem ressalvas o que sempre quiseram. Eles não têm mais necessidades hipócritas de criar máscaras sociais (“e da América consciente de seu passado”). É a possibilidade de se desconstruir para recriar um novo conceito de ser humano (que “perde a pose e festeja em qualquer lugar”), quase com uma trupe circense de minimalismo hippie, que expõem com sinceridade infantil as verdades latentes (“Estou em casa de novo”, um negro comenta quando é preso).

O longa-metragem, adaptação da peça homônima de George S. Kaufman e Moss Hart, que ganhou o Prêmio Pulitzer em 1937 (o texto tinha apenas 19 personagens, já o filme, 153), é a representação de mundo fora de tom em uma “noite errada”, mas que conserva sua esperança no juiz humano (a figura da Justiça) que se diverte com os casos. “Do Mundo Nada Se Leva” é também sinestésico. Nós sentimos os dramas pululantes de suas personagens, que se policiam em não criticar o outro. E se rendem à humanidade com a “chave” da gaita, com os conselhos típicos de um Yoda e pelos detalhes que remodelam espíritos desesperados por dinheiro em seres bondosos e tolerantes.

5 Nota do Crítico 5 1

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