Curta Paranagua 2024

Deus é Mulher e seu Nome é Petúnia

(Des)fracasso

Por Felipe Novoa

Durante o Festival do Rio 2019

Deus é Mulher e seu Nome é Petúnia

“Deus é Mulher e seu Nome é Petúnia” é um filme sobre opressão sistemática e uma rebelião inconsequente. A protagonista Petúnia (Zorica Nusheva) é uma mulher socialmente vista como fracassada; é desempregada, com um diploma virtualmente inútil num país praticamente irrelevante, já com 32 anos morando com os pais e com sobrepeso. Todos esses pontos “negativos” são amplificados pela falta de apoio materno e por uma existência desprovida de sentido.

Estranho, intimista, honesto, revelador, quase documental, explícito, deprimente, realista: todas essas palavras podem definir “Deus é Mulher e seu Nome é Petúnia” mas nenhuma delas consegue exprimir o mesmo que essa experiência de 100 minutos te apresenta. É um filme realmente estranho, mas dotado de uma aura de sensibilidade que te prende até ser quebrada por um erro simples porém mortal, a história não é tão interessante assim e perde a mágica faltando cerca de 20 minutos pro final do filme.

Entretanto, apesar da estagnação do plot da pra se ver um brilhantismo na mensagem central do filme: mulheres são tratadas como inferiores diária e constantemente. Só isso, só essa exposição gráfica, precisa e devastadora da experiência de uma mulher falha e esmorecida já basta para mostrar em que a diretora Teona Strugar Mitevska estava pensando quando dirigiu e escreveu o roteiro. Esse tipo de história é pessoal demais pra ser apenas algo que foi pensado para um filme, é uma experiência pessoal.

A protagonista Petúnia é um exemplo. Seu enredo é inventado mas o que ela passa é a pura verdade, sua mãe tem vergonha dela, a sociedade onde ela está inserida é machista, preconceituosa, obtusa, presa em tradições e ritos arcaicos. Ela se vê literal e alegoricamente presa a um lugar onde não pertence, numa delegacia, presa a regras que ela não concorda em seguir e que não escreveu, presa a uma cidade triste fadada a depressão. Quando Petúnia se joga da ponte e pega a cruz ela representa todos os nossos impulsos reprimidos, todo o nosso ódio ao establishment todas as pequenas autocorreções que nos impomos. Ela está sendo espontânea mas sem entender o porque disso, ela cede a um acesso e age sem pensar. Quem nunca?

Os hooligans macedônios que a perseguem são mais do que apenas seus algozes, eles são o estado, eles são a sociedade, eles são as autoridades, o diretor do colégio, o pm fascista nas ruas, a igreja, o próprio deus. Eles são toda forma de dominação e retaliação que pode sobrevir sobre nós. “Deus é Mulher e Seu Nome é Petúnia” é um filme sobre rebelião, sobre se encontrar na posição de iconoclasta, talvez até anarquista quiçá. Petúnia a princípio usa sua inteligência para rebater os policiais que tentam lhe tomar a cruz mas depois ela parece entender q o fato dela ter a cruz ou não não importa mais. Ela já semeou a dúvida na cabeça das pessoas, ela já questionou uma regra cristã ortodoxa, ela já criou o princípio do equivalente feminista de uma primavera árabe na Macedônia do Norte.

Todas as mulheres que aparecem no filme parecem passar pelos mesmos problemas, todas estão relativamente infelizes com as suas existências, todas parecem querer provar algo ou receberem alguma garantia de um amanhã melhor. Esse descontentamento com a vida é um reflexo do que é a experiência feminina nos Bálcãs. A vida é dura, não existe muitas possibilidades de ascensão social, a figura feminina é vista como um acessório  e propriedade do homem mais do que como um ser imbuído de inteligência e direitos. O abuso psicológico e sexual que Petúnia sofre durante a entrevista de emprego é um exemplo claro disso, ela é só mais uma desempregada, só mais uma precisando de ajuda, só mais uma mulher descartável.

Praticamente todos os homens no filme salvo o jovem policial Darko e o pai de Petúnia são um problema para ela, todos eles representam e atuam como pessoas que não querem seu bem estar, seus direitos prevalecendo. O interessante é notar justamente essas duas figuras: um policial e o pai, dois homens que são considerados autoridades intocáveis cada um no seu lugar, seja nas ruas ou em casa. Mas esses são amáveis com ela, são compreensivos e até bondosos, eles são uma “falha” no patriarcado, eles são exemplos  de uma nova era.

Tudo isso, toda essa análise psicológica pode ser resumida em algo simples: chegou a hora da mudança, uma nova deusa nasceu e seu nome é Petrúnia… amém.

 

3 Nota do Crítico 5 1

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