Destello Bravío
Flash no vazio
Por Fabricio Duque
Durante o Festival de Rotterdam 2021
Em um primeiro momento, o filme espanhol “Destello Bravío”, integrante da mostra competitiva oficial do Festival de Rotterdam 2021, soa destoante com o próprio ambiente que contempla. Uma estilização demasiada do olhar. Um pretensioso improviso (fora de tom, espaço e tempo) que repete a fórmula arthouse do cinema independente da neo-vanguarda. Busca-se uma naturalidade no vazio, expondo personagens por ensaios teatralizados (e perdidos – como se não soubessem o que fazer a seguir) por narrações interpostas, cortes bruscos da montagem, fragmentadas cenas estendidas, ângulos-reflexos metafóricos de câmera. Sim, todos os gatilhos comuns e ingênuos de uma intrínseca cidade rural, conservadora, limitada e vulnerável às aparências.
Ao longo do desenvolvimento, nós percebemos que sua realizadora estreante, Ainhoa Rodriguez, quer que mergulhemos ao invisível, do raso ao profundo. Do superficial ao complexo. Do fora para o dentro, a fim de criar uma sensação orgânica de intimidade, unindo um que de Neorrealismo Italiano com um futurista surrealismo, aos moldes de um etéreo universo paralelo. Um portal entre o céu e o inferno. Tudo estimulado pela linha de seu estudo acadêmico: ensinar mulheres em áreas rurais sobre perspectivas não-normativas em filmes, transcendendo, desarticulando e atravessando fronteiras experimentais entre som, imagem e sentidos.
Mas sim “Destello Bravío” é estranho. Muito estranho. Essa estranheza-esquetes é a base condutora de toda a obra. Nós somos convidados a embarcar no cotidiano de um pequeno lugarejo do interior “em que nada acontece”, com sua tipicidade. Manias, costumes, fofocas, segregações sociais, hipocrisias e tradições religiosas (os “Soldados de Cristo”, que inferem a uma católica-roxa KKK). E com aqueles que tentam quebrar suas vidas estáticas (estimuladas por uma iminência sonora, quase importada de Twin Peaks). Nesta fase do filme, nós passeamos por essas existências “cansadas” de sobreviver e absorvemos as histórias para que coloquemos definições em cada um deles. Um grupo de mulheres, aristocráticas, despertam desejos (a luxúria) entre “próximas” e julgam as “saias curtas” das “diferentes”. Outra sofre hostilidade e violência moral.
Sim, “Destello Bravío” é uma crítica à sociedade, com atmosfera cinematográfica de Lucrécia Martel, que quanto mais o filme acontece, mais encontramos estranhezas naturalizadas (por exemplo, lamber o teto para descobrir a cor pelo paladar). Contudo, ainda assim, com tudo o que já foi explanado, nós sentimos que suas personagens (logicamente seus atores) reverberam apenas o vazio e as escolhas gratuitas maquinadas pelo roteiro.
Uma das personagens, Isa usa um gravador de fita cassete para gravar mensagens para si mesma, que depois reproduz. “Sobre a aldeia surgirá um poderoso flash de luz que mudará tudo”, ouve-se dizer. “É magnífico. Todos nós ficaremos com dor de cabeça, perderemos nossas memórias e iremos desaparecer.” Isa espera uma mudança, e isso não é surpreendente. Sim, “Destello Bravío” também pode ser definida como uma realista fábula pré-apocalíptica, que nos remete a “O Anjo Exterminador”, de Luis Buñuel, cineasta também espanhol. Uma força incompreendida que faz tudo soar diferente à noite e nas primeiras horas da manhã. Uma obra ópera-house, barroca-hipster e que acontece essencialmente pelas histórias, pelo ouvir e pelo observar. Um simbolismo universal de vidas em compartilhamento à espera de “um som que escapa de todos os outros”.https://www.youtube.com/watch?v=wwGS8XnZg2A