De Pai Para Filho
Romance no luto e reconciliação fantasmagórica
Por Pedro Sales
Os últimos momentos de Machado (Marco Ricca), tecladista da banda de rock dos anos 80 Capa Preta, são dignos de uma estrela do rock. Ele bebe whisky, canta e se diverte com os versos que dizem: “Eu prefiro morrer jovem demais que envelhecer careta e covarde como os meus pais”. Logo após isso, ele tem um mal súbito após deliberadamente deixar o gás escapar do fogão, bate a cabeça e morre. Apesar desta introdução, “De Pai Para Filho” não busca investigar a possível ambiguidade do ato e examinar se foi suicídio ou acidente. Como o próprio título do longa dirigido por Paulo Halm antecipa, o foco está na relação, ou melhor, nas ausências entre Machado e seu filho José (Juan Paiva). No meio disso, o diretor também encontra uma forma de criar uma comédia romântica em que os laços se estreitam pelo luto e explorar a relação pai e filho em um plano espiritual.
Por mais que o cineasta proponha a intersecção de gêneros pela comédia dramática e pela comédia romântica, em certo grau, é evidente como a articulação entre os diferentes tons não funciona efetivamente. Isso se dá, sobretudo, pela maneira como Paulo Halm lida com o humor, quase sempre calcada na artificialidade dos diálogos e a construção baseada em estereótipos. Portanto, a sensação é de que o diretor e roteirista apresenta um texto preguiçoso, que repete todas convenções e clichês imagináveis. O porteiro como simples alívio cômico, a relação entre pai e filho que contrapõe o “quadradão” ao “tiozão” politicamente incorreto são alguns dos exemplos de como os personagens obedecem a arquétipos, representam uma ideia. Até mesmo a ação é impactada por essa decisão narrativa. Quantas vezes já não vimos o vizinho ajudar a vizinha com consertos gerais, o possível casal que se encontra várias vezes no elevador ou a cena em que a comida queima na panela e os personagens precisam pedir uma pizza?
Assim, “De Pai Para Filho” é impactado em toda sua rodagem por um texto muito simplista e escorado nos clichês. Os personagens secundários têm interpretação muito caricatural que aliada à já citada artificialidade demonstra como o diretor falha em encontrar uma uniformidade para o filme. Isso não interfere apenas no humor, que pouco funciona, mas também no drama, que muitas vezes acaba sendo esvaziado pela comédia ruim, como o desamparo de Dina (Miá Mello). Se por um lado todo o humor do longa parece inócuo, Marco Ricca está em grande forma e parece se divertir bastante como o fantasma do roqueiro falecido. Não é a primeira vez que o ator cruza a linha que divide os vivos dos mortos em tela, em “Chatô, o Rei do Brasil” (2015) teve sua jornada felliniana no purgatório do magnata da imprensa Assis Chateaubriand. Aqui, ele cruza essa linha para conversar e aconselhar o filho em uma ilusão terapêutica ou uma reconciliação fantasmagórica, com um tempo cômico bastante acertado e que escancara ainda mais como o restante não funciona.
Apesar de limitações muito claras em lidar com os diferentes tons do longa, inclusive com o humor atrapalhando o drama, a comédia romântica parece mais orgânica para Paulo Halm. O encontro de almas partidas, uma pelo luto pleno e outra pelo luto amargurado em razão da ausência paterna, inicialmente lida com a repetitividade dos encontros no elevador, mas rapidamente escala para um sentimento genuíno. Neste sentido a decupagem explora bem os espaços e as cores para construir o romance. A cena da cozinha que é antecipada por uma sucessão de ações bastante genéricas, ainda que condizentes, conta com a composição que centraliza os personagens e provoca nos espectadores a necessidade do contato entre José e Dina. A direção de arte, neste momento, também se destaca com o tom amarelo do ambiente e o uso da luz que ressalta as cores. Na realidade, toda a direção de arte da obra se sobressai e traz identidade aos personagens, como o azul do apartamento de José e o rosa que predomina no de Dina.
Portanto, “De Pai Para Filho” é uma obra marcada por sua irregularidade. Ao não conseguir articular a comédia com o drama, um gênero acaba interferindo no outro. Ainda assim, no perdão de José a força dramática de Juan Paiva é devidamente explorada, justamente pela ausência de interrupções cômicas. A conversa de Kat (Valentina Vieira) com a mãe Dina também é outro momento de emoções genuínas. Inclusive, a jovem atriz sustenta muito bem o dramático e cômico, assim como Marco Ricca. Ou seja, Paulo Halm peca em muitos momentos, torna a rodagem repetitiva e genérica, mas também consegue momentos de graciosidade. O diretor demonstra também soluções formais bastante interessantes para o longa, seja no uso de espelhos, no uso da câmera na mão na cena da praia onde Kat e José dividem suas experiências ou na direção de arte dos apartamentos. No final, porém, o longa não se destaca por decisões formais, pela relação conturbada entre pai-e-filho ou o romance que nasce quando José vai desocupar o apartamento e encontra outra pessoa com tantas feridas quanto ele, mas pela dificuldade em articular humor na trama dramática. Piadas duvidosas que interrompem o fluxo emocional e o comodismo em construir personagens sob uma estrutura arquetípica simples.