Uma Cinzenta Viagem Perdida
Por Fabricio Duque
Durante o Festival de Berlim 2017
Há diretores de cinema que em poucos filmes reverberam um instantâneo reconhecimento qualitativo. Alguns, sim, traduzem uma nata genialidade, como Woody Allen, por exemplo. Mas outros só conseguem beirar o caminho da superestimação, como é o caso do americano James Gray, que acerta (em “Amantes”) quando tenta ser menos comercial, mais livre no conceito e por sempre escalar seu ator favorito Joaquin Phoenix, e “desengonça” com óbvia suntuosidade apoteótica em “Era Uma Vez Nova York”.
Aqui, em seu mais recente filme, “Z – A Cidade Perdida”, baseado no livro biográfico de não-ficção “The Lost City of Z: A Tale of Deadly Obsession in the Amazon”, de David Grann, exibido na mostra Especial Gala do Festival de Berlim 2017, busca-se mais o entretenimento aventureiro que histórico, em uma Irlanda de 1905, imprimindo uma narrativa de guerra à moda de “Indiana Jones”, tentando ser esteticamente mais dramatizada. Assim, a vontade fica na vontade e caminha entre a pretensão e a ingenuidade.
A incrível história real do explorador britânico Percy Fawcett (o ator Charlie Hunnam, que está em evidência – também em cartaz nos cinemas com “Rei Arthur: A Lenda da Espada”, de Guy Ritchie), que viaja para a Amazônia no século XX e descobre evidências de uma civilização avançada desconhecida que pode ter habitado a região. Depois de ter sido ridicularizado pelo corpo científico que considera as populações indígenas como “selvagens”, Fawcett está determinado a retornar à sua amada selva e provar seu caso.
Uma das maestrias indiscutíveis de “Z – A Cidade Perdida” é sua câmera que passeia por seus detalhes-ambientes com total movimento sinestésico à aventura, homenageando a cinematográfica clássica. É elegante, imponente, naturalista, direto e sem rodeios, como por exemplo, o baile aristocrático. “Morte, a essência da vida”, diz-se. Suas interpretações contrastam a poesia visual por se apresentarem como encenadas, anti-naturalistas, novelescas e forçadas para contar as aventuras romanceadas de uma expedição (de visão lucrativa) a Floresta Amazônica da Bolívia e Peru pelo Panamá.
“Z – A Cidade Perdida” critica a “corja de uma sociedade” que não expande observações nas entre-linhas. Assim, sua narrativa recorre a gatilhos comuns para conectar cenas, elipses e reviravoltas, entre clichês de “índios assassinos”, “um lugar não indicado para mulheres”, “perigos da floresta”, “amigo dos canibais”, a metáfora de “Eldorado” (seu ouro perdido) e “leituras de poemas da esposa”. E até mesmo quando o explorador encontra uma Casa de Ópera brasileira (inevitável não pensarmos na aventura imponente-épica de “Fitzcarraldo”, de Werner Herzog), a mensagem da “floresta aberta” e do “cenário colonizado” é frágil e já batida.
O filme vai e volta. São inúmeras sub-aventuras, de nostalgia visual, que buscam apresentar novidades, descobertas, o encontro da “glória” e técnicas de pesca “fast fish” a um público sensível e descrente, em soluções rápidas. Nós espectadores podemos perceber uma característica dominante: a liberdade plena objetivada. Assim como velejadores navegam o mundo sozinhos, aqui a aventura maior é estar com o próprio eu, transpondo limites e dificuldades individuais. A desculpa é o bem maior da sociedade. A busca do novo. Mas na verdade a solidão antropológica vence o questionamento dos próprios filhos e da esposa que querem que ele fique. Contudo, esta mensagem é dissipada rapidamente quando discursos articulados de efeito “rasgam” a cena desejando manipular nossa emoção cúmplice ao embasamento da aceitação de novas aventuras em lapsos temporais recorrentes e futuros.
“Z – A Cidade Perdida” não sabendo mais como manter o equilíbrio narrativo, descamba ao melodrama exótico, com suas câmeras lentas, espíritos, cegueira e metáforas espirituosas. Tudo por uma inocência perdida de um estudante de cinema que acredita piamente em suas paixões e que por descuido “deixa solto” a qualidade. Infelizmente, James Gray, em sua “viagem à cidade perdida”, expõe vulnerabilidades de um roteiro orgulhoso da trilogia do “resgate”: honra, sanidade e glória, que tem um elenco de astros, entre eles Robert Pattinson, Sienna Miller, Tom Holland. “É também um retrato das convenções sociais em uma época de grande revolta científica e social”, finaliza seu diretor.