(Re)nasce uma estrela
Por Pedro Guedes
Os primeiros minutos de “Vox Lux – O Preço da Fama” sugerem um estudo de personagem grandioso, estruturalmente complexo e esteticamente rebuscado: abrindo-se com uma narração em off de Willem Dafoe que comenta brevemente a potência representada pela cantora Celeste Montgomery, que assumirá o papel de real protagonista da história, o filme nos apresenta ao trauma que marcou a adolescência da garota e esclarece que a narrativa será estruturada a partir de dois capítulos bem definidos (e um terceiro que aparece nos 45 do segundo tempo), chegando ao ponto de incluir, na abertura, os créditos que normalmente surgiriam no fim da projeção. Assim, o espectador se vê diante de uma obra promissora e fica na expectativa de vê-la cumprir com seus objetivos – é uma pena, no entanto, que nem sempre o filme consiga fazer jus às suas ambições estruturais, narrativas e/ou temáticas.
Escrito e dirigido por Bradley Corbert, que comandou alguns episódios da série “24 Horas”, “Vox Lux” se concentra em Celeste Montgomery, uma adolescente criada de acordo com os ensinamentos cristãos e que, depois de sobreviver a um tiroteio ocorrido dentro de sua escola, se descobre marcada para sempre com a cicatriz da bala que perfurou seu pescoço. Após compor uma música em homenagem às vítimas do massacre, Celeste chama a atenção dos executivos de uma gravadora que pretendem chamá-la para se tornar uma popstar – o que resulta em uma carreira bem-sucedida, angariando uma legião de fãs, investidores e paparazzi. Conforme os anos vão passando, porém, Celeste acaba deixando o ego destruir a convivência com todos que estão ao seu redor, transformando-se em uma frustração constante para os outros e para si mesma.
Mergulhado em uma atmosfera constantemente melancólica, distante e prestes a se autodestruir (isto é, na medida do possível – não esperem nada que se compare, por exemplo, à intensidade de Terrence Malick em “De Canção em Canção”), o longa serve como uma demonstração eficaz de como a Arte pode ser criada e corrompida dependendo da vulnerabilidade de quem a produz: as músicas compostas, ensaiadas e apresentadas por Celeste estão embasadas na sua criação cristã e no trauma que sofreu ao presenciar o massacre que lhe feriu o pescoço. Ao mesmo tempo, é difícil tolerar o comportamento grosseiro, antipático e cruel que a protagonista exibe depois de atingir a fama absoluta, por mais que nos lembremos das dores que marcaram seu passado – e isto serve como um reflexo de como a arrogância pode destruir (e destrói) a vida de muitos artistas populares.
Em contrapartida, “Vox Lux” enfrenta um problema difícil de contornar e que tende a enfraquecê-lo dramaticamente: em vez de explorar cada faceta da vida de Celeste com calma e paciência, o roteiro de Bradley Corbert prefere se concentrar somente na ascensão e na decadência da protagonista, sem se preocupar com o caminho que conduziu uma à outra (sim, pode ser que a decisão tenha sido intencional, mas… isso não a torna menos problemática). Assim, quando Celeste começa a ser cobrada por jogar seu prestígio no lixo, decepcionar as pessoas que estavam ao seu redor e se deixar sucumbir ao próprio ego, o resultado destas cobranças acaba não soando impactante o suficiente, pois o espectador não sente o peso de tudo que foi construído e destruído no processo.
Mas não é só: apressando-se ao estabelecer certas etapas importantes para a jornada da cantora, o filme acaba não encontrando espaço para detalhar o caminho que levou Celeste a uma gravadora renomada, a maneira como foi alçada ao status de popstar ou mesmo as atitudes irresponsáveis que fragilizaram suas condições físicas e psicológicas. Como se não bastasse, o trabalho de Corbert como diretor se mostra igualmente irregular: sim, existem algumas composições visuais admiráveis (a discussão entre Celeste e sua filha na rua é enfocada através de planos longos que funcionam bem); na maior parte do tempo, porém, o cineasta se prende a alguns vícios dispensáveis e desaponta particularmente no número musical que encerra a projeção e que desperta no espectador uma sensação de cansaço iminente.
Já Natalie Portman consegue elevar o resultado da obra ao encarnar Celeste como uma figura inconsequente, autodestrutiva e repleta de maneirismos – o que, confesso, me causou estranhamento no começo, já que Portman parecia depender demais de tiques, oscilações na voz e caras e bocas, chegando perto de transformar a protagonista em uma caricatura. Aos poucos, porém, a performance da atriz começa a soar natural para o espectador, que se convence de que a cantora é, de fato, uma persona dominada por comportamentos e composições exageradas. Para concluir, Portman é bem-sucedida ao retratar as amarguras e as dores que levam Celeste a desabar completamente, consolidando seu desempenho como um acerto e tanto.
E é uma pena, contudo, que o desfecho da história acabe se acovardando diante da possibilidade de fazer jus ao drama da protagonista, deixando o espectador sair do cinema com um sentimento de satisfação que não condiz com o que foi apresentado nas quase duas horas anteriores.