Curta Paranagua 2024

Crítica: Virgens Acorrentadas

A Experiência do Terror às Avessas

Por Michel Araújo


De donzelas em perigo e heróis másculos a “deus ex machinas” e vilões incuravelmente sádicos, as marcas registradas do terror B são bem conhecidas e já bem saturadas. De tal forma que um “meta-filme” como “Virgens Acorrentadas” (2018), que explicitamente caçoa das fórmulas e dos chavões tradicionais do cinema de horror, nos chama a atenção por tal ironia narrativa. Dirigido pelo brasileiro Paulo Biscaia Filho (de “Nervo Craniano Zero”, “13 Histórias Estranhas”), porém rodado nos Estados Unidos – primeira produção do diretor em inglês -, o longa trata de Shane (Ezekiel Z. Swinford) um diretor amador em busca de rodar seu primeiro longa-metragem de terror, “Virgin Cheerleaders in Chains” – em português, “líderes de torcida virgens acorrentadas” –, em condições de produção de “no budget” – na história, estimam um orçamento de 8 mil dólares para a empreitada, porém devido a diversas complicações antecipam a produção e filmam sem qualquer orçamento ou com sequer o roteiro finalizado.

A virada numa trama que à princípio soa corriqueira e genérica, entretanto, é quando o rumo da história muda e Mike Beale (Don Daro) – dono de vídeo locadora que aceitou produzir o filme do despreparado Shane – se revela parte de uma quadrilha de sádicos homicidas, numa referência quase tributária ao pai dos filmes de terror trash, “O Massacre da Serra Elétrica” (1974). A tendência, entretanto, do filme é romper as expectativas por ele mesmo estipuladas, para fins de uma inversão de valores do cinema. Como diz o slogan promocional: “não é o filme que você está pensando que é”. Inicialmente se propõe um protagonismo de Shane, que literalmente salva um gato no primeiro ato do filme, referência ao livro teórico de roteiros “Save the Cat”, de Blake Snyder, que diz que para evidenciar ao público quem é o protagonista, este deve nos primeiros 10 minutos do filme realizar um ato heroico.

Para além das diversas referências perspicazes aos clichês do gênero de terror, como um diálogo entre Shane e seu amigo sobre ter ou não que cortar uma cena de seu filme que mostraria as atrizes jogando vôlei de bíquini em câmera lenta – que segundo Biscaia Filho foi inspirado num diálogo real entre ele e seu produtor –, o filme trata de transferir o protagonismo de Shane para sua namorada, Chloe (Kelsey Pribilski), e sua atriz favorita, Amber (Elizabeth Maxwell). Além de perder controle de sua produção, que fica quase inteiramente dependente dos esforços de Chloe e do secretamente sádico Mike Beale, a atriz Amber, que acreditava-se estar atraída por Shane demonstra interesse pela própria Chloe. O protagonismo feminino ganha força, e em pouco tempo, Shane se mostra a verdadeira “donzela em perigo” no meio da sanguinolenta perseguição da quadrilha de Mike.

Infelizmente para o filme, a diversão depende muito mais da metalinguagem, das referências e das subversões do que uma experiência propriamente empolgante dentro da narrativa. As atuações deixam muito a desejar, comprometendo a graça dos momentos engraçados, a adrenalina dos momentos excitantes e o impacto dos momentos impactantes. A trilha sonora funciona de forma praticamente neutra e quase obsoleta, o que mais uma vez compromete dentro do formato narrativo clássico a força das sequências. Ao longo do filme se torna difícil não levar em consideração tais aspectos da produção, de forma que a narrativa parece puramente sarcástica, remetendo quase a uma paródia, que se sustenta pela intertextualidade com outras obras do gênero. A experiência do filme e da história em si não se permitem ser tão livremente aprazíveis, mas apenas levadas em consideração para uma experiência analítica do texto do filme.

Para um fã ávido de cinema que bebe das referências e das quase acusações contra a narrativa clássica e o protagonismo masculino, “Virgens Acorrentadas” se mostra satisfatório. Entretanto para fins de entretenimento e outras possíveis leituras fora desse espectro quase monodimensional de reflexão, a obra deixa bastante a desejar. Logicamente, as condições de produção de baixíssimo orçamento e todo o aparente caos no set de produção comentados por Paulo Biscaia Filho devem ser levados em consideração, e uma importante mensagem é deixada pelo diretor com sua obra de que, independente das árduas condições, não se deve desistir de produzir e fazer seu filme “acontecer”.

2 Nota do Crítico 5 1

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