Vermelho Russo

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A Viagem Apaixonante do Tio Charly Braun

Por Fabricio Duque

Durante o Festival do Rio 2016

Precisamos falar sobre o filme “Vermelho Russo”, porque corrobora categoricamente a máxima de que menos é mais na arte cinematográfica, e que não se precisa de milhões para que a excelência exista em sua essência simples mas não simplista. O longa-metragem de Charly Braun (de “Além da Estrada”), uma coprodução Brasil-Rússia, de condução despretensiosa e magistral, perde os limites entre realidade e ficção. O público não sabe distinguir quando é um ou outro, até mesmo seu diretor ao ser perguntado pelo nosso site. A narrativa “viaja”, literalmente, pelo naturalismo espontâneo de um cotidiano road-movie (quase uma invocação documental de instantes-acasos – consequências das ações situacionais geradas pelas próprias personagens), em que duas personagens são postas em uma aventura de um intercâmbio na Rússia para estudar Teatro (e o Método de Constantin Stanislavski). Assim, a vida, experimentada à exaustão (até porque são turistas-estudantes que precisam valer cada segundo de sua estadia), imita a arte, desencadeando situações depressivas, angustiantes, melancólicas, dificuldades linguísticas, e adequações a divergentes personalidades-comportamentos. As duas envolvem-se em uma jornada terapêutica de libertar os próprios interiores (usando o próprio texto “Tio Vania” como interação-metalinguagem – pelas entrevistas que buscam a realização documentário-bastidores ficcional dentro deste também ficcional – que por sua vez encontra a essência intrínseca de uma realidade embarcada) dos medos, limites, anseios, raivas, dramas, vazios existenciais, mágoas, invejas, vulnerabilidades, amores e felicidades (enaltecidas, emocionais e incondicionais) desmedidas (“por simplesmente estar na Rússia” – como se fossem crianças grandes em um parque temático de uma Disney, congelante, friorenta e nevada). É impossível não referenciarmos, pela inferência, à cinematografia do sérvio Emir Kusturica, e, explicitamente, ao “Um Homem Com Uma Câmera”, do russo Dziga Vertov, o grande precursor do cinema direto e de verdade, e também a “Além da Estrada” (uma sacada-brincadeira do próprio diretor Charly Braun). “Vermelho Russo”, que intercala fotos de arquivo do cinema soviético, é um estudo antropológico de caso, propositalmente amador, que integra o povo local ao redor, a fim de humanizar a imersão e permitir ao espectador a experiência radical da sinestesia de não só observar, e sim sentir cada momento-sentimento. Sobre a paixão do processo profissional de um ator, neste caso, atrizes, que investem a “paixão” e escolhem o melhor curso de preparação. E sobre um “diretor com suas inseguranças”. “Estou cansada de fazer peça no Brasil com mais gente no palco que na plateia”, diz-se. É um filme natural, engraçado, de alinhamento espontâneo. “Ser atriz para ser amada pelas pessoas, fingindo que você é você e vivendo destinos de outros”, entre questionamentos de “O que eu estou fazendo aqui?” e “Para que serve a arte?”; a solidão inocente resignada que procura a catarse defensiva para se auto-sabotar; a vida cotidiana não mais como novidade turística (que para acontecer precisa do “lobby” dos contatos-encontros, dos Sarau de Ópera; e a falta de costume de “beber no universo Tio Vania”. São crianças alegres ou adolescentes “estagiários” (dá no mesmo) que convivem com “barreiras estranhas” e com o amor e ódio da convivência “apertada” e diária; “alimentam” Discussão de Relacionamento entre elas (e que não sabem como “começou todo o barraco implicante agressivo” – “até que ponto serão inimigas?”); “descansam” no “gostoso é diferente de importante”; e acreditam piamente no contraste de suas ideias, como querer o conteúdo, mas também a fama (de “não barangar” e “convencer o diretor Hector Babenco” – mesmo livremente confessando de que “O Passado – título de um de seus filmes – não foi muito bom”). E assim, quando tudo acaba, tudo também se renova e a vida continua, zerando infelicidades e marcando unicamente a perfeição da aventura em seus corações e suas almas. Nenhuma das duas saiu imune. Pelo contrário, impulsiva e drasticamente fortalecidas. E lá, envolvidas com um diretor de teatro e em um complexo triângulo amoroso (com Michel Melamed), as duas amigas precisarão descobrir como ultrapassar suas diferenças tanto fora dos quanto nos palcos para que elas possam sobreviver em um país diferente. “Charly leu e disse: ‘Eu quero fazer um filme sobre o seu diário’. Eu achei maravilhoso!”, disse a atriz (e corroteirista) Martha Nowill (cujo filme é baseado em seu diário desta viagem), que junto com Maria Manoela, vivenciam plenamente todo o processo de entrega de seus papéis sem vaidades e medo do retorno à vida real. Concluindo, altamente imperdível e recomendado. O longa-metragem conquistou na categoria de Melhor Roteiro no Festival do Rio 2016 e foi o grande vencedor de Melhor Filme no empate do Prêmio Vertentes do Cinema 2016, junto com “A Mulher do Pai”, que foi defendido por nosso site como “Pela maestria despretensiosa de respeitar a jornada do próprio filme (como um pai que fornece liberdade técnica-pessoal a seu filho, neste caso, o filme dentro de um filme, dentro de um teatro, dentro de vidas abordadas), o deixando livre para caminhar pelas próprias pernas, e assim, confundindo com máxima competência a ambiência da realidade versus a ficção (que tampouco o diretor sabe distinguir a diferença), integrando o cotidiano naturalista-espontâneo na arte que imita a vida, e vice-versa”.

https://youtu.be/04OI6WX1Wk8

5 Nota do Crítico 5 1

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