Um Mangá Tupiniquim Que Nunca Desiste!
Por Fabricio Duque
Mesmo sem perceber, a animação, meio mangá, meio nacionalista clássica, meio futurista, “Uma História de Amor e Fúria” desperta no espectador a referência ao livro “Caim” do escritor português, José Saramago, quando projeta a imortalidade ao seu protagonista. Na estrutura do impresso, o traço condutor é a fúria. Já no filme em questão aqui, a trajetória existencial e histórica possui o amor como única e obrigatória consequência da ação de nunca se desistir de algo. O diretor Luiz Bolognesi, estreante na direção, mas com uma carreira sólida e premiada como roteirista (de “Bicho de sete cabeças”, “Terra vermelha”, “As melhores coisas do mundo”, entre outros – ainda assume a responsabilidade pelo projeto “Cine Mambembe”), fez uma longa pesquisa com profissionais das áreas de História e Antropologia para definir quais períodos da História do Brasil seriam mencionados no filme.
A narrativa busca a filosofia a fim de realizar o longa-metragem animado, de enfoque no mangá japonês, com construção épica (gênero catástrofe), extremamente nacionalista e barrista, principalmente carioca. A trama narra o amor entre Janaína (voz de Camila Pitanga) e um guerreiro indígena (Selton Mello) que, ao morrer, assume a forma de um pássaro. Durante seis séculos, a história do casal sobrevive, atravessando quatro fases da história do Brasil: a colonização, a escravidão, o regime militar e o futuro, em 2096, quando haverá uma guerra pela água. Em todos estes períodos, os dois lutam contra a opressão. Aborda-se o espiritismo quando imprime a reencarnação (a alma etérea), a violência para criar o realismo do conto verídico da História (estupro de filha criança), as ervas alucinógenas (Santo Daime) a fim de induzir o protagonista à própria projeção da imposição massificada de outro alguém. O pajé chefe utilizando-se do mecanismo da “droga natural” manifesta epifanias de se seguir lutando sem parar, para que a memória seja salva e o passado de um povo não desapareça. Nas duas vertentes do impedimento à morte dos personagens (especificamente do principal), não há suavizações quando as lutas são mostradas. Lá, questiona-se de forma pessimista (ao mostrar as maldades empregadas e a intolerância do entendimento).
Aqui, voa-se, literalmente, pela fantasia crível, de forma resiliente (pela estética animada empregada). Lá, resignação destrutiva. Aqui, capacidade para se adaptar a mudanças. Há escravos, portugueses versus franceses, cangaceiros, milícias, revolucionários utópicos, transpassados entre 1500, 1800, 1900 e 2026. Passado e o agora. Tendo o Futuro acontecendo pelas ações do hoje. Não desistir é a metáfora conservar o simbolismo da esperança e do amor incondicional. A voz, equilibrando querer e sonho, de Selton completa-se com a da doce, pura e sexy de Camila, gerando a condução do anarquismo individual (que neste caso levanta a máxima popular de “Quando se ama, dois tornam-se um”, desencadeando uma cidade mais protegida, mais simples e defendendo a brutalidade como opção possível dentro do sistema plastificado da autoridade do mais forte. A radicalidade das ações milicianas inferem ao plano de tolerância zero do prefeito de Nova Iorque, Rudolph Giuliani, para “limpar” a cidade da violência e perigo. A crítica do filme é visível ao modelo brasileiro de tentar “copiar” o errado. Esperou-se muito como sempre, já que algumas reações só se percebem em longo prazo.
“A história nos livros é diferente”, diz-se. É inevitável a didática ao transpassar elementos históricos, mitigando ao máximo a falta da emoção de se vivenciar o momento sofrido e ou combatido (ao sucesso e ou ao fracasso). Palavras nunca serão suficientes para definir o que realmente aconteceu. Não sei se o espectador também percebeu, mas há outra referência cinematográfica. Ao filme “Amor Além da Vida” com o ator Robin Williams, trama que faz o protagonista “viajar” ao “inferno” para resgatar sua esposa amada. A eternidade é mostrada como uma punição no livro de Saramago. No filme de Luiz, procura-se a redenção do sofrimento, aceitando as dificuldades pela crença de se poder salvar a própria alma que se contaminou na vida passada. “Sempre haverá a luta diária”, diz-se. Algo por que lutar. O final mostra cenas históricas reais em versão animada. Concluindo, um filme didático no tempo certo, competente na parte técnica, trilha sonora que inclui Lenine e Nação Zumbi, equilibrado nas vozes dubladas, necessário como documento histórico e que conduz com naturalidade cotidiana ao retratar os percalços existenciais e temporais do índio imortal. Cada vez que penso sobre o filme, mais o livro português se materializa na minha frente. Vale à pena! Leia também o artigo relacionado: “A Guerra de Cada Um”.
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Nota do Crítico
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