Curta Paranagua 2024

Crítica: Trama Fantasma

A transcendência de um cinema

Por Fabricio Duque


Em uma das entrevistas ao Vertentes do Cinema, o diretor Fernando Meirelles disse que escolhe um filme pela história e diretor. “Se for do Paul Thomas Anderson, por exemplo, eu vou ver”. Sim, o espectador pulula uma ansiosa expectativa quando uma nova obra de P.T.A (de “Magnólia”, “Sangue Negro”, “O Mestre”, “Vício Inerente”) está para ser lançada.

“Trama Fantasma”, seu mais recente filme, que concorre ao Oscar 2018, incluindo na categoria de Melhor Filme, não poderia ser diferente, e traz no elenco, nada mais, nada menos, que Daniel Day-Lewis, que imprime naturalidade interpretativa ao incorporar um famoso e conceituado estilista londrino, “exigente”, intolerante, impaciente, intransigente, sistemático, de precisão tempo-necessidade, que “não gosta de coisas lisas e de começar o dia ocupando espaço com confrontos” e que cumprimenta as funcionárias pelo nome.

Nosso protagonista, um “bebê”, não aceita dramas sensíveis dos outros, mas uma espontânea cumplicidade. A câmera, por sua vez, é um espetáculo à parte. Conjugada com uma imponente música clássica (fornecendo assim o tom nostálgico) passeia com elegância cadenciada por micro-ações em detalhes e elipses continuadas.

É um balé ritmado mise-èn-scene que acompanha seus coadjuvantes que entram, saem e assumem seus postos oficiais. É a câmera que se adequa e corre atrás. Eles não, como por exemplo, o estar fora do quadro. Há uma etiqueta social ao tratar com os clientes, especialmente a realeza: uma condessa, que fica excitada ao provar o vestido “requintado”, feito sob medida, único e que “dá coragem”.

A cena corta para o evento público em que o vestido é apresentado. Nós sentimos uma carência e uma fragilidade no olhar de quem o usa. Corta de novo. Agora presenciamos uma imponência social conflituosa com as fragilidades de nosso personagem principal. É um filme sobre o ser humano, representado por uma teatral incompatibilidade de se expor.

Década de 1950. Reynolds Woodcock (o ator Daniel Day-Lewis, de “Lincoln”, “Minha Adorável Lavanderia”, “Meu Pé Esquerdo”, “Sangue Negro”, “Nine”, “Em Nome do Pai”, “A Insustentável Leveza do Ser”) é um renomado e confiante estilista que trabalha ao lado da irmã, Cyril (a atriz Lesley Manville, de “Segredos e Mentiras”, “Mais um Ano”, “Topsy-Turvy – O Espetáculo”, “Agora ou Nunca”, “O Segredo de Vera Drake”), para vestir grandes nomes da realeza e da elite britânica. Sua inspiração surge através das mulheres que, constantemente, entram e saem de sua vida. Mas tudo muda quando ele conhece a forte e inteligente Alma (a atriz Vicky Krieps, que rouba a cena – e está em “3 Days in Quiberon”, que integra a mostra competitiva deste ano do Festival de Berlim – e em “O Jovem Karl Marx”), que vira sua musa e amante.

Reynolds encontra-se perdido no que quer e o que precisa fazer, e se esconde no não sofrer por sua mãe que “vigia reconfortante” do mundo dos mortos. A narrativa estende as elipses, como se fosse instantes de flash mentais.

Tudo com um controle absoluto da direção, que busca a simplicidade e a magia realidade (esta pela fotografia saturada a uma poesia cenográfica) como fio condutor. Reynolds também tem controle de suas ações, mas não disfarça seu ar admirado de menino mimado. Um “solteiro incurável”.

E assim, “Trama Fantasma” desenvolve-se por histórias lembradas e contadas com riqueza de detalhes, hesitações, mulheres vulneráveis, pensamentos silenciados, hipocrisias descortinadas, idiossincrasias estranhas e excêntricas enraizadas que não mudam, e o conhecimento pelo ofício.

É um amor técnico, por medidas, submisso (mas com “cuidado”), platônico, constrangedor, metódico e unilateral. Que não se intimida em dizer a verdade, como “não ter seios”. E que não aceita o contraditório. Só há um gosto. Uma forma. Uma certeza. Ela é a marionete. Uma modelo. Treinada para seguir ordens.

Só que a musa “vítima” da vez é impetuosa e decidida. E bagunça “distraindo” literalmente com suas “movimentadas” de “atravessar com um cavalo” a vida e a rotina “de dentro” tranquila e equilibrada de seu “lover” e sua irmã Cyril. A ordem dos desfiles para ser seguida precisa afastar e “podar” o “perturbador”.

“O chá está saindo, mas a interrupção ficará aqui comigo”, bufa-se. Ela aceita o amor incondicional mas continua sendo uma “empregada”. O filme é uma metáfora a mulheres despidas de vaidades para “comprar” a beleza. Ingenuidade dela contra as emboscadas, jogo e as regras e a sentir tornar uma fantasma. E a psicopatia da proteção. Revida com astúcia e crueldade. Perder e ganhar. Competição. E de certo modo, alguém consegue o q quer. Sempre um lado contra o abominável adjetivo “chique”.

“Trama Fantasma” é sobre loucas obsessões tóxicas e retro-alimentadas implicâncias. Um compartilhado jogo co-dependente. De quebrar a casca, sentir o amor e lutar pelo que se quer, na saúde, na doença e ou no estímulo “desacelerado” do “desamparo” para fortalecer a relação.

Um filme sobre a descortinar a alma, obrigar a mudança e transmutar o desejo. O filme é dedicado, em seus créditos finais, ao diretor americano Jonathan Demme (de “Silêncio dos Inocentes”, “Filadélfia”), nascido em 22 de fevereiro de 1944, e que faleceu, em 27 de abril de 2017, aos setenta e três anos, de uma doença cardiovascular, em Manhattan, New York.

5 Nota do Crítico 5 1

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