Scott fora de tom
Por Bruno Mendes
Não deixemos de admitir: Ridley Scott é versátil e hábil ao conduzir histórias pelos mais distintos caminhos. O realizador já entregou clássicos como Blade Runner, Alien- o oitavo passageiro e Thelma & Louise, e mergulhou em distintos níveis de inspiração ao dirigir Gladiador, Falcão Negro em Perigo, Perdido em Marte e tantos outros.
Infelizmente o Scott fora de inspiração foi responsável por Todo Dinheiro do Mundo, “filme sério”, de bons momentos de interpretação, – Christopher Plummer merece um texto para ele, não só para esclarecer o imbróglio da substituição de Kevin Spacey e as posteriores refilmagens das cenas, mas pelo seu brilhantismo na performance – mas perdido, em razão da narrativa que não sabe direito por onde (e como) seguir.
Baseado em história real, o filme aborda o sequestro de John Paul Getty III(o ator Charlie Plummer), neto do então magnata do petróleo Jean Paul Getty (o ator Cristopher Plumer), que ocorreu na Itália em 1973. Na trama, a mãe do jovem, GailHarris (a atriz Michelle Willians) busca ajuda financeira ao avô do rapaz– e ex-sogro –, mas este se nega a pagar o resgate de US$ 3 milhões. Por meio de flashbacks o espectador é guiado a observar os laços complexos daquela dinâmica familiar e compreender a razão da recusa.
“Todo Dinheiro do Mundo” apresenta-se como um thriller de sequestro, mas nem esbarra no “gênero ação”, pois o foco não está em perseguições mirabolantes, quebra de estratégias de criminosos ou nos habituais jogos de gato e rato. A lente de aumento do roteiro aponta em direção à tortuosa relação daquela família e ao apego pornográfico (busquei um adjetivo por alguns minutos, acho que cheguei a um elucidativo, ao menos espero) do velho bilionário por grana.
Plummer, aos 88 anos, foi indicado ao Oscar pela performance (ele é o mais velho ator a receber a nomeação até hoje) e merece elogios ao não conceber um malfeitor unidimensional, embora exista indisfarçável maniqueísmo na descrição daquela figura humana, cuja responsabilidade é inteiramente do roteiro e não do ator.
Quando a história precisa mostrar o drama do sequestrado e a comunicação entre Harris e Getty para obter o dinheiro, os problemas ficam mais sérios.O longa é incapaz de estabelecer uma ponte narrativa minimamente elegante entre situações distintas. Por um lado, observamos de perto o excêntrico personagem de Plummer, sempre frio, austero, irredutível quando o assunto é dinheiro.
Ficam evidentes (até demais) suas relações nada empáticas com aqueles que o cercam eseu comportamento maquiavélico, ao elencar dicas antiéticas sobre negociação ao neto ainda criança.Guiado pela soberba, Getty parece per nascido com a esperança de morrer para virar estátua ou algum busto que simboliza importância.
No outro campo flagra-se a rotina do cativeiro e as ameaças de violência física ao Getty neto, caso o pagamento não seja efetuado. Ainda que a situação seja dramática, estranhamente a personagem de Michelle Willians é fria, afinal aparenta ter menos desespero diante da situação do filho, e estar mais guiada a agir com uma espécie de “calculismo providencial” para enfrentar o todo poderoso e obter o dinheiro.
É compreensível que a aparente empáfia de Harrisvale comoarma para bater de frente com o homem insensível e “podre de rico”. Por outro lado, o tímido desespero com a condição real do jovem, beira o ilógico, algo implausível dentro da intenção “séria” da obra ou em qualquer outra perspectiva.
Todo Dinheiro do Mundo,nesse sentido, é profundamente falho como drama familiar. E tão pouco convence como suspense, ao passo que a atenção dada ao conflito com os sequestradores é diluída.
O passeio entre diferentes tons da narrativa valida-se como opção completamente aceita e executável dentro daquilo que podemos chamar de “regras da linguagem cinematográfica”. O filme Corra, para citar um exemplo recente, vai da comédia ao horror “sério” e sanguinolento, e ao mesmo tempo exala crítica social com extrema propriedade. A nova obra de Scott, por outro lado, torna-se enfadonha ao embaraçar tramas má elaboradas, sem jamais estabelecer aprofundamento e harmonia entre elas.
Saudemos o vigor de um ator que beirando os 90 anos constrói personagem difícil – ainda mais por ser atrapalhado pelo roteiro – e sigamos aguardando que o bom e velho Ridley Scott retorne à boa forma.