Terça, Depois do Natal
À espera das ações cotidianas
Por Fabricio Duque
Durante o Festival do Rio 2010
O cinema romeno tem a característica de abordar temas polêmicos com naturalidade. Os seus personagens convivem com maniqueísmos. O certo e ou errado são elementos coniventes para preservar o desejo que sentem sobre as coisas e pessoas. “Terça, depois do Natal” enfoca a infidelidade, tratada como cotidiana, em simples ações do dia-a-dia. A omissão da culpa deve-se à crença do próprio querer. A narrativa ajuda a criar a atmosfera pretendida, com seus planos longos de suas cenas. As idiossincrasias extrapolam o corte do momento, deixando que o espectador observe como realmente tudo acontece. O roteiro deixa-se acontecer. Não há limites cinematográficos, metaforizando com a quebra do próprio argumento de sua história. Há a resignação da escolha. Escolhe-se o individualismo.
Quando não há paz interior, a necessidade da mudança se faz presente. E é escolhida de forma direta, seca e rápida. A naturalidade das imagens fornece o olhar do intrometimento da vida alheia. As cenas de nudez, na cama ou cortando o cabelo, as compras em um supermercado, os preparativos para o Natal, a escola da filha, o trabalho. As conversam versam sobre banalidades típicas de um relacionamento (novo – pela excitação inicial e do conhecimento – e ou antigo – desgastado na rotina do tempo e do costume da repetição). O recente gera frases como “Amante latino”, já o conhecido incorpora as tarefas de seguir as regras sociais de uma festa, por exemplo. Ele trai a esposa, que não sabe, mas tem a cumplicidade “moderna” da outra (que é a dentista da família), que sabe do casamento dele, da filha (que escolhe as decisões sobre sua própria vida) e não propõe o término. Para ela é melhor assim. A liberdade de se ter o objeto, mas sem a cobrança das consequências deste ato.
“Terça, depois do Natal” estende as ações, mas sem cansar. Segue-se pelo equilíbrio e o tênue. Os diálogos às vezes frios, às vezes passionais, ditam a convivência das relações humanas. “Você é assim: qualquer mudança te desagrada”, diz-se com o sentimento confrontado e paradoxal, por causa da experiência de se expor o que quer e o que se deseja mascarar, por defesas agressivas, mas sem serem violentas. “Eu te amo, esse é o meu plano de futuro”, diz-se. Há modernidade é moderna em referências a filmes como “As Horas”, “A leste de Buscareste” e até mesmo McDonalds. O contraste aparece com a própria tradição que ele (o marido e amante) deseja e segue.
A árvore natalina, os presentes, as festas sociais de família. Mas quando, conta, com sinceridade, a verdade totalitária à esposa, há a resposta normal de conduta. Ela utiliza a raiva repetitiva e patética (extremamente aceitável, por ser comum) para provocar discussões. “Eu estava esperando ver se ia passar (a traição) para te contar. Não estava buscando isso, simplesmente aconteceu”, diz com a razão realista e decidida. Concluindo, “Terça, depois do Natal” é um filme que utiliza a narrativa de espera das ações cotidianas de indivíduos, buscando a sinceridade natural e exterminando qualquer possibilidade dos elementos óbvios e clichês. Excelente.
Francisco Carbone, em um ringue pesado, convidado e provocador, traça linhas analíticas sobre “Terça, depois do Natal”. “Reflitam sobre o quarto: Juan Benitez é um homem calado. Sempre na sua, diariamente sai pra malhar (atividade que é mais que um hobby), depois passa numa loja para comprar barras de cereais, e emenda no trabalho numa fábrica de roupas. Ninguém sabe nada de sua vida, não tem amigos, e pouco se comunica. Na verdade tem uma esposa, uma filha e seu sonho é viver da construção de uma academia de ginástica; sua postura pacífica (passiva?) é comentada durante o filme, e será colocada em cheque (e o filme corre ótimo), no dia em que literalmente assiste a um estupro, especificamente da menina que vendia diariamente suas barrinhas de cereais. O que ele faz? Assiste. A partir desse momento, fica difícil… ou melhor, impossível concordar com personagem ou filme.
O homem é um armário gigante, assiste a uma violência sexual cometida por um senhor quase na terceira idade, cometido contra uma pessoa que nutre real afeto por ele. E o filme não só permite com que o público sinta nojo do personagem e sua falta de ação, como trata de tentar torná-lo herói não terceiro ato. É tarde. “Terça, depois do Natal” já se perdeu, sua moral já desceu pelo ralo, a questão “se o mundo é mau com você, seja mau com o mundo” (que eu até simpatizo) é injustificada a partir do momento em que o personagem é testemunha de uma violência sem tamanho. E assiste. A mim, coube julgar e detonar as intenções do diretor, sejam elas quais forem.”