O bom humor como ferramenta crítica
Por Pedro Guedes
Durante o Festival do Rio 2018
“Este filme é dedicado a quem conseguiu nos fazer rir de uma situação que não tinha a menor graça.”
Isto é o que surge na tela assim que “Tá Rindo de Quê? Humor e Ditadura” chega ao fim. Dirigido por Alê Braga, Álvaro Campos e Cláudio Manoel (este último também é conhecido como “Seu Creysson”, do Casseta e Planeta) este documentário acompanha – como o título já sugere – a situação dos comediantes mais renomados da TV brasileira no período do regime militar, partindo do golpe de 1964 e passando pelos anos de chumbo até chegar à democratização consolidada em 1985. Assim, figuras como Jaguar, Ary Toledo, Agildo Ribeiro, Carmem Verônica, Daniel Filho, Boni, Fafy Siqueira, Carlos Alberto de Nóbrega, Kate Lyra, Patricya Travassos, Paulo César Pereio e outras surgem para relembrar o modo como o humor se adequou à censura e como foi empregado para combatê-la.
Dominado por personalidades divertidas que ainda hoje preservam um timing cômico afiado, “Tá Rindo de Quê?” mantém o interesse do espectador ao trazer uma série de depoimentos revelando como os artistas se comportavam em uma época tão difícil, adaptando-se a um contexto onde qualquer piada poderia resultar, na melhor das hipóteses, em dores de cabeça – e em certo momento, Daniel Filho surge dizendo que era obrigado a se explicar para os responsáveis pela censura a cada duas semanas, como se fosse um menino que voltou à escola e está sendo repetidamente enviado à coordenação por ter aprontado alguma besteira. Em compensação, o trio de diretores acerta em cheio ao definir o tom do documentário, que jamais sucumbe à tentação de mostrar o que foi a ditadura de maneira dramática ou comovente – e, com isso, segue a lógica dos humoristas que estão sendo entrevistados: fazer o espectador rir mesmo que o contexto da situação seja dos mais complicados.
Além disso, o filme também faz questão de mostrar o lado menos óbvio da discussão – mesmo que seja para ridicularizá-lo: quando Roberto Guilherme (também conhecido como Sargento Pincel) aparece dizendo que existia “respeito” na época da ditadura, pois as pessoas “podiam andar com um cordão de ouro na rua sem medo”, o resultado pode até levar o espectador a gargalhar do absurdo que acabou de escutar, mas ao menos mostrou uma faceta diferente. Da mesma forma, o documentário também faz questão de mostrar como os humoristas tiveram dificuldades para voltar à normalidade depois que a censura terminou, já que eles ficaram tão acostumados a trabalhar sob aquele contexto que, quando enfim puderam se libertar, tiveram que se reinventar de alguma forma.
Hábil ao ilustrar como a comédia pode ser usada tanto como arma de combate quanto como instrumento de manipulação, “Tá Rindo de Quê?” obviamente fala sobre o período das pornochanchadas e como estas serviram para agradar à população de maneira simples e fácil, despistando (na medida do possível) a insatisfação que poderia ser direcionada aos militares – e é interessante ver os atores apontando com frequência como aquelas produções eram leves e ingênuas, embora pertencessem a um subgênero que carregava o “pornô” em seu nome. Para completar, o filme aproveita a deixa para falar sobre a má representação das mulheres na TV e no Cinema, já que estas eram constantemente divididas entre dois arquétipos tolos: o da “gostosa” e o da “feia” – ao contrário dos homens, que ganhavam papeis variados e não costumavam ser definidos primordialmente pela aparência (Fafy Siqueira, por exemplo, teve que negar os pedidos de Chico Anysio para que ela colocasse um dente falso apenas para “ficar mais feia” quando participou da “Escolinha do Professor Raimundo”).
Mostrando para o público o quão importante é o bom humor e o pensamento crítico em tempos onde ambos são reprimidos de forma sistemática, “Tá Rindo de Quê?” é um indício de como a Arte sempre pode (e deve) servir como um documento da época em que foi produzida – e não interessa se a obra foi feita com o propósito de divertir; isto não a impede de assumir um caráter político. O que gera a uma pergunta inevitável: como será que os comediantes atuais se comportarão no Brasil polarizado e hostil de hoje? Pois o mínimo que se espera é que, assim como a geração retratada neste documentário, eles sejam capazes de nos fazer rir mesmo quando a situação na qual se encontram não tenha a menor graça.