Um filme que continua a surfar
Por Fabricio Duque
É fato, uma verdade absoluta inquestionável, que toda e qualquer história de todo e qualquer ser humano possui sua importância e deve ser contada, máxima esta, um genuíno requisito do gênero documentário. “Surf no Alemão” é sobre vidas influenciadas, com possibilidades encontradas no esporte, que sobreviveram às dificuldades da vida limitada nas comunidades carentes, doadas por aqueles salvadores do novo agora, que colocam em prática e seguem à risca os valores-morais religiosos, fazendo o bem sem olhar a quem.
Desta forma, plantam sementes, como um espiral do bem que estimula a solidariedade, cumplicidade, calma e determinação. Esses influenciados optam por caminhos um pouco mais longos ao crescimento construtivo, e fogem da facilidade urgente da vida no tráfico de drogas, por exemplo.
“Surf no Alemão” traz uma narrativa que busca a intimidade. Retratar e documentar o processo pela arte do surf, este responsável por ensinar a calma, a melhor respirar, a lutar pelos sonhos e a nunca desistir. É um filme pessoal, de encontro orgânico, de compartilhamento auto-ajuda. Sua câmera foca no sentimento, na causa (antes da escolha), no impulso passional, que retro-alimenta a vontade incondicional do ir “devagar e sempre”.
O longa-metragem procura também não problematizar questões sociais, como violência, pontuando como informações e não como elementos sensacionalistas de condução. Como foi dito, o foco é outro. Aqui, o cinema é direto, de necessidades mais realistas, que não pode perder tempo com sensibilidades dramáticas aguçadas. Isto não quer dizer que não há emoção, que não há o choro. O que se tenta mitigar é o oportunismo das reações.
A narrativa apresenta-se como clássica, com entrevistas de pais e educadores, intercaladas com ações (algumas mais encenadas à teatralidade como as reuniões de análises dos boletins), que são mostradas por uma fotografia de instantes existencialistas, como a espera na prancha, a cor vivida do mar, o sol no horizonte, à moda dos programas típicos de surf que nós encontramos na televisão.
“Surf no Alemão” é um estudo de caso de um evangélico, morador de uma favela, que investiu tempo, dinheiro e altruísmo para salvar estas crianças. Wellington é o pai deles, o super-herói, a figura masculina de apoio às mães solteiras do Morro do Alemão. Uma “andorinha” que luta muito e todo dia para “fazer verão” e estimular novos verões. É a corrente do bem. Mas nem tudo isso é floreado. O “salvador” é enérgico com seus alunos-amigos. Se precisar puxar a orelha, então orelha é puxada. Se precisar falar na mesma língua, também.
Os diretores Eduardo “BR” Dorneles (que integrou o elenco de “Cidade de Deus”, de Fernando Meirelles e Kátia Lund – e que teve toda sua vida transformada com o filme) e Cleber Alves pretendem contar a história de Wellington, um jovem morador do Complexo do Alemão, criou um projeto de surf voltado para crianças carentes. Todo final de semana ele leva seus alunos até as praias do Recreio dos Bandeirantes, local que fica a 50 quilômetros de distância do Alemão.
Lá ele realiza suas aulas e oferece uma almejada , palpável e intensiva chance de cada um melhorar como ser-humano, elevar-se como um engajado e respeitoso indivíduo social, ampliar o campo profissional tornando-se um atleta (e ou apenas acalentando a alma com um hobby que gera calma, equilibra a respiração e que obriga a tirar notas boas na escola (um requisito essencial e obrigatório para participar da equipe do surf).
“Surf no Alemão” documenta histórias carregadas de primitivas-passionais emoções, mitigadas de sentimentalismos oportunistas, conduzidas por uma câmera que busca ir além das micro-ações, estendendo, com amadora espontaneidade, bastidores ensaiados de personagens (em status de atores) que interpretam a si mesmo a uma constrangedora tela (como a troca de camisa no banheiro e ou o trabalho ensinado e ou os exercícios das aulas propriamente ditas e ou a reza no carro).
Esta câmera objetiva também suavizar o intrínseco sofrimento destas vidas com o descanso da diversão em suas imagens lentas, subaquáticas e de participação interativa. Nós espectadores estamos juntos no processo, nas sensações íntimas, nas arquitetura anti-naturalistas de dosar naturalidades. Tudo faz com que embarquemos em uma orgânica e direta jornada-viagem de descomplicar as latentes e pululantes questões psicológicas, traumatizadas e alimentadas por grandes períodos passados. O documentário é acima de tudo a realização do Alemão ao Brasil da ideia básica de que apenas uma oportunidade, apenas uma, pode mudar e transformar os seres-humanos mais petrificados. E a tolerância, paciência e o respeito em entender seu próximo são pilares ao novo mundo. É sobre um ajudar o outro. Cavi Borges, da Cavideo, ajuda os diretores que ajudam Wellington, que por sua vez ajuda estes jovens a se ajudarem. Toda boa ação gera uma ação boa.