Recrutados, dispensados, omitidos: presente!
Por João Pereira Lima
“Soldados do Araguaia”, dirigido por Belisario Franca e fotografado por Mario Franca, que também fizeram o importante documentário “Menino 23: Infâncias Perdidas no Brasil”, expõe a face oculta, cruel e assassina, de fatos omitidos da história brasileira oficial. A Ditadura Militar no Brasil (1964 – 1985) matou milhares de civis, de militares e de indígenas. Milhares foram torturados. A conta aproximada é muito difícil de se obter, já que o Brasil não puniu os responsáveis por essas barbáries, eles continuam entre nós, e o pior, são defendidos por alguns que começam a ser a cara de um Brasil em eterno retrocesso.
O filme é narrado por ex-soldados, que entre 1972 e 1975, quando jovens no sul do Pará, foram recrutados para as forças armadas e postos para combater guerrilheiros do Partido Comunista Brasileiro que estavam escondidos na mata da região do rio Araguaia. Jovens pobres, de baixa escolaridade e com conhecimento e experiência (vivência) na mata. O alistamento sendo obrigatório, parte desses jovens se alistou com a esperança de dispensa para não precisar servir, outra parte se alistou buscando status junto à família como uma forma de “tornar-se homem”, outros buscavam alimentação gratuita e gratificação financeira, e havia ainda aqueles que se alistaram sonhando em defender a pátria.
Os 70 minutos em tela expõem os bastidores da crueldade dos crimes hediondos cometidos pela Ditadura e como estes soldados rasos, vítimas e algozes, sofreram e ainda sofrem com o que vivenciaram. A Comissão da Anistia e da Verdade, no final de 2012, se dispôs a ouvir relatos de pessoas que haviam sofrido tortura pelo poder do Estado Ditatorial Militar e sentiam necessidade de falar a respeito, muitas vezes pela primeira vez na vida. Alguns militares e ex-militares buscaram o serviço de auxílio e trouxeram à tona a história da guerrilha do Araguaia.
A bela fotografia da região e o som da mata e da natureza acompanham as emocionadas entrevistas, personagens iluminados em plano médio com alguns planos mais fechados de perfil, fundo preto e sem fim. Os ex-combatentes falam da tortura que sofreram durante o treinamento, sobre o desconhecimento que tinham da missão para qual foram enviados, bem como sobre suas impressões e lembranças das torturas assistidas e presenciadas aos guerrilheiros e também aos moradores da região. Os relatos apresentam ainda a questão do não reconhecimento do seu exercício militar, uma vez que foram dispensados ao final da missão sem remuneração ou documentação comprobatória. Essa soma de fatores, retrata um grupo de pessoas muito sofridas, amarguradas, que se dizem com as vidas destruídas. E como defende a socióloga da Comissão da Anistia e da Verdade, foram descartados da corporação, da sociedade e da história.
A sociedade brasileira está acostumada com a sistemática omissão da verdade. A imprensa, a política, os defensores do sistema vigente, ocultam e deturpam o que pra eles é visto como ameaça, e não poderia ser diferente. A sociedade não organizada e colonizada “aceita” essa manipulação, seja esta consciente ou não. A militarização do Estado, a ingerência da igreja neste mesmo, o poder dos empresários e donos de terra na política e na economia, a intolerância e a censura ao “diferente”, tudo isso somada à impunidade estabelecida como norma, é reflexo do poder de certos grupos de interesse e do monopólio da força pelo Estado. O tempo não retrocede, a sociedade sim, hoje existem pessoas que defendem a volta da Ditadura Militar.
O Brasil não tem só o maior índice de assassinatos cometidos pela polícia, mas também os maiores índices de assassinatos de ambientalistas e de pessoas LGBTs. É possível cometer crimes no Brasil e não ser punido, essa parte da sociedade vive dentro e à margem da lei há mais de 500 anos. A impunidade é responsável direta por estes índices alarmantes. O Brasil tem a necessidade histórica de punir os criminosos da Ditadura, a censura crescente é inadmissível e combater a militarização da sociedade é urgente. “Soldados do Araguaia” deve ser visto por todos que buscam uma sociedade mais igualitária, que discuta seus problemas sem se esconder, doa a quem doer.