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Crítica: Silêncio

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A Fé Inabalável de Scorsese Pelo Cinema

Por Fabricio Duque

Precisamos falar sobre o diretor Martin Scorsese e de sua tão diversificada filmografia, que inclui “A Invenção de Hugo Cabret”, “A Ilha do Medo”, “Cabo do Medo”, “A Época da Inocência”, “Touro Indomável”, “A Última Tentação de Cristo”, “Taxi Driver”, “O Lobo de Wall Street”, “Kundun”, que agora nos brinda com “Silêncio”, que recebeu apenas uma indicação ao Oscar 2017 por Melhor Fotografia de Rodrigo Prieto.

Seu mais recente filme é, acima de tudo, uma homenagem à cinematografia clássica que conjuga influência americana à japonesa, pela construção de uma incrível “mise-en-scène” CinemaScope em com seus planos grande angular “widescreen”. Scorsese, que na juventude pensou em ser padre, sabe como fazer e conhece muito bem o seu ofício em contar histórias, principalmente pelo roteiro que cria a identificação-sinestesia de um irretocável naturalismo editado.

A trama acontece no Século XVII. Dois padres jesuítas portugueses, Sebastião Rodrigues (Andrew Garfield) e Francisco Garupe (Adam Driver), que falam inglês todo o tempo (um mero detalhe de liberdade poética) viajam até o Japão em uma época que o catolicismo foi banido. À procura do mentor deles, padre Ferreira (Liam Neeson – que está muito parecido com seu personagem em “Star Wars”) os jesuítas enfrentam a violência e perseguição de um governo que deseja expurgar todas as influências externas.

Baseado no livro homônimo de Shusako Endo (de “A Vida de Jesus” – que buscou inspiração em “A Estrada da Vida”, de Federico Fellini, para criar a história, em especial, o personagem Kichijiro) escreveu com singular perspectiva o fato de ser japonês e católico em uma “ditadura” Budista em 1640, que pregava a mitigação de todo e qualquer elemento simbólico. “Confiamos nossas vidas a este homem?”, um descrente pergunta. “Jesus confiou a dele em pessoas piores”, o otimista crônica responde.

“Silêncio” comporta-se como uma parábola cristã pela realismo técnico e pela poética fotografia barroca (como pinturas em movimentos – exemplo à batina como fantasmas-sombras que passeiam pela luz). Os padres precisam “resgatar o Padre Ferreira”. A narrativa é intercalada por uma narração pessoal, orgânica, livre, subjetiva e detalhista, como se fosse a leitura de uma carta-oração ao Pai, sem a edição por ainda se encontrar no campo do pensamento individual. Aqui, é abordado a eterna crença incondicional dos seguidores da Igreja e a luta contra os japoneses, que em período de escuridão e purgatório no Japão, persegue os simpatizantes ao Cristianismo, tortura padres e depois os executa como “troféus”.

Andrew Garfield prova que sua interpretação melhora consistente e consideravelmente quando encontra um diretor à altura para extrair suas sutilezas (e que sim deveria ser por este filme indicado como Melhor Ator no Oscar). “Silêncio” retrata o acreditar, o refúgio no Jiisama, a oração, devoção, sacramento, batismo, fé inabalável, martírio, amor incondicional, rostos como “máscaras”, a clandestinidade corajosa contra a Inquisição japonesa. O jejum dos cristãos japoneses versus o estilo já relaxado dos padres (estes que deveriam ser mais ferrenhos). A crença máxima ingênua (a prática dos fiéis) versus a ideia teórica massificada que se fixa no campo religioso teológico (dos instrumentos “santificados”, mesmo que ainda homens, à paz e o conforto divino).

Quando uma imagem de uma cruz  (para os japoneses um tesouro encontrado, um Santo Graal) é ofertada, o silêncio da cena ganha ruídos de um grilo. A mensagem que se passa logo no início é a de que na verdade quem precisa recuperar a verdadeira fé são os padres que estudaram demais (e que ainda estão em dúvidas do porquê do “sofrimento” e do “fardo pesado”), escondidos em uma cabana em uma montanha distante estrangeira. Inferimos neste momento que o Padre Ferreira entendeu que para sobreviver precisaria esconder as próprias crenças. “Só a escuridão torna seguro descer para ministrar aos fiéis”, diz-se.

Aqui, é a inversão. Se Jesus pregava durante o dia, no Japão, a hora é durante a ilegalidade da noite. “Finalmente tinham padres para perdoar seus pecados” em “confissões a noite toda”, que rezavam a missa em Latim. “Silêncio” é sobre o a neutralidade do ópio. É uma Cruzada pelo viés silencioso, incidindo a recriação épica de uma época sem excesso, semexageros, com sutileza para se impôr o discurso (estrutura narrativa que se descola das obras mais apoteóticas como “Cruzada”, “Paixão de Cristo”, quiça “A Última Tentação de Cristo”).
O filme alfineta a religião na precisa simplicidade por mitigar gatilhos cênicos espalhafatosos e clichês. Os questionamentos sobre estar em paz no Paraíso após o batismo são instigados e causam mais dúvidas, mais perguntas, mais frustração, mais vergonha, mais necessidades de aceitar de forma resignada e submissa o que não se compreende (de só Deus estar no Paraíso). ”A criança está a salvo na graça de Deus. Isso é que importa”, disse. E complementa com “puxada de orelha” pelo padre realista mostrar a dúvida. “E você é um mau jesuíta”. Mau ou realista? Mau por pensar racionalmente?

Eles arriscam-se. Aceitam outros “sinais”, passam por digressões, fortalecendo a missão. E sempre necessitando da “passar pelo prova divina: os testes de Deus” que coloca um outro homem para os forçar a “renegar Deus para continuar sobreviver”. “Silêncio” é um filme de detalhes. E como foi dito, de sutilezas. Nós percebemos que no final todos os seres humanos são iguais. Até os japoneses crentes fervorosos. São egoístas e sentem ciúme dos “próximos” japoneses em não querer compartilhar seus padres.

O filme constrói seu tempo único. De espera. De desconfiança. De medo. De voltar a luz com a “presença” da hóstia e de novos “cristos”. “Valorizam mais uns pobres tangíveis sinais de fé que a própria fé”, diz-se. Nós espectadores somos embarcamos em uma antropologia teológica de massificação jesuítica. É um estudo de caso, em que sentimos a emoção natural da cena, sem manipulações sentimentais. Não há excessiva trilha incidental. Só o necessário e pontual.

“Silêncio” cria seus argumentos “advogados do diabo”. De um lado o propósito, a visão humanista da igreja e a fé “ilegal”. Do outro lado, a intolerância religiosa e a “prata que compra”. É a utopia simbólica versus a crença racional da sobrevivência, passando pelas “provações terríveis”. “Budistas contra Cristo”. A luta aqui é agora pelo não silêncio. Por não se calar. Há um que de Terrence Malick e sua “Árvore da Vida” na narração intimista. Questionamentos são mais e mais pululados. Um estrangeiro que só trouxe desgraça? Cadê as “possibilidades gloriosas” quando humanos tentam ser divinos?

Há um que de arrogância no padre Sebastião Rodrigues, quando acredita (e se vê) como Cristo (maior até – porque aqui é traído com trezentas moedas contra as poucas trintas do “crucificado” Filho de Deus. Talvez pelo cansaço, alucinação, fome, desespero, desistência, pelos “camponeses tolos e pobres”.

“Padre ensina, mas não aprende e despreza a língua, a comida e os costumes deles”, ensina a humildade a um “homem que deveria ser santo”. “Silêncio” é o eterno embate entre Buda “que era homem” e as ilusões da fé cristã. “Korubu”, expressão que traduz o verbo desistir. Até mesmo de pensar de uma forma diferente. “É só uma imagem. A fé está dentro”, o obrigando a pisar na imagem santa. Mas sua determinação (ou orgulho-covardia?) não permite. “Os outros países (fora do Japão) são como concubinas”, diz-se, buscando “revelar a fraude” “até o último homem” (que neste caso é o próprio Andrew Garfield sendo o “salvador”. O lado verdadeiro da religião no Japão, em que a pureza reina.

A parte final é narrada por um holandês que conta detalhes sobre o “filtro de mercadorias cristãs”. “Um homem trabalha melhor quando não é solitário”, diz-se e complementa: “Japão, um pântano, em que nada cresce”. Foi derrotado pelo pântano? Um Sacerdote caído? Expandiu a verdade?. Um anjo invertido caído? Ainda há resquício de cristianismo?

“Silêncio” é um filme ímpar, que merece toda a atenção de seu espectador. Não é um filme sobre religião, sobre catequização, de auto-ajuda religiosa. Não. Na verdade é sobre tradição, sobre perseverança, sobre até onde um homem vai para proteger sua fé. Altamente recomendado. O filme foi exibido para cerca de 400 jesuítas em Roma.

4 Nota do Crítico 5 1

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