Do lugar incomum a lugar nenhum
Por Chris Raphael
Por que assistimos a um filme ou a uma série? Por entretenimento, é obvio, em primeiro lugar. Mas também pela ilusão. E pela liquidez. E pela fuga. Queremos nos evadir rapidamente da nossa realidade, do nosso tempo, da nossa vida. Se possível, até do nosso planeta! E ao embarcar passivamente na possibilidade de uma nova aventura, nos posicionamos ao lado de outros personagens, de seus problemas, de suas escolhas ou da falta delas.
Esse é um estado recorrente que a todo cinéfilo consome. Se somos loucos por cinema, além do acompanhamento ávido das novidades cinematográficas da semana, então, com certeza, já buscamos desesperadamente os favores dos canais por assinatura, espreitando, com olhar clínico cada lançamento de uma nova série.
Assim aconteceu com “La casa de papel”. Alex Pina foi o criador desta série para a rede de televisão espanhola Antena 3. Teve início em dois de maio de 2017 e no elenco estão Úrsula Corberó (a personagem Tókyo), Alba Flores (a Nairóbi), Álvaro Morte (o El Profesor), Itziar Ituño (a Raquel Murillo), Pedro Alonso (o Berlin), Paco Tous (o Moscou), Jaime Lorente (o Denver), Miguel Herrán (o Rio), Darko Peric (o Helsinque) e Roberto García (o Oslo), entre outros. No dia 25 de dezembro de 2017, a Netflix adicionou internacionalmente no catálogo uma nova edição com diferente quantidade de episódios.
A despretensiosa série não passou despercebida, apesar da acabrunhada estreia foi ganhando espaço e se avolumando de tal forma que, em pouco tempo, já era fortemente comentada pelo público. Trata-se de um audacioso plano para praticar um grande e perfeito assalto a Casa da Moeda Espanhola, fomentado por um gênio do crime e executado por oito assaltantes. Funcionários e visitantes sāo feitos reféns e as situações decorrentes desta convivência vāo se transformando em estreitas relações de amor, ódio, lealdade, incertezas,vitimismo.
A desconstrução social sugerida (e aceita) pela sociedade moderna, explicitada na empatia pelos bandidos amigáveis que suscitam uma camaradagem ocasional com quem assiste, enquanto regurgitamos a arrogante polícia que, supostamente, os subjugava. Nestes arroubos de amizade compulsiva, nós nos aprisionamos às poltronas da sala, vendo a situação se atrapalhar e o desfecho nem sempre é uma surpresa.
Este estilo é referenciado em filmes como “Onze homens e um segredo (1960)”, de Lewis Milestone, com Frank Sinatra, Dean Martin, Sammy Davis Jr., Peter Lawford, refilmado recentemente, em 2001, por Steven Soderbergh, com George Clooney, Brad Pitt, Julia Roberts, Matt Damon. O estrondoso sucesso de público acabou gerando mais duas sequências: “Doze homens e outro segredo” (2004) e o seguinte, “Treze homens e um novo segredo (2007)”.
Então, após tantos homens e segredos, podemos inferir que a personificação do lado B da vida é opção moderna e oscilante de uma nova construção social: o que era mau ficou bom e vice versa; depois de tanto aplaudir os mocinhos, vamos ovacionar os bandidos. A alegoria representativa da sociedade que se levanta para redenção dos desvalidos.
Mas a série se perde no contexto de seu próprio emaranhado e se transforma em uma gigante projeçāo novelesca. Em meio a dramas familiares, cenas de açāo, romance, sexo, resiliência e morte. Personagens tāo caricatos quanto pitorescos interagem e corroboram a falta de sutileza: ladrāo simpático em contraposiçāo à refém asqueroso, policial obcecado se deparando com a expertise da mente criminosa.
Tudo isso é significação para influenciar o espectador e ganhar sua atenção, a ponto de mantê-lo absorto no enredo melodramático. Para quem quer escapar das produçőes hollywoodianas, esta é uma tentativa infrutífera que saiu pela culatra. A falta de recheio dos personagens, com abordagens meramente superficiais de suas vidas e todo o anacronismo presente na forma de contar, nāo traz à tela um modelo pronto e de fácil assimilação.
O expectador se perde, informações sobre os personagens são gotejadas, tampouco é mencionado dados sobre o plano, somente o cérebro da operação (o professor) vai jogando migalhas pelo caminho, na condição de maestro para sua realizaçāo.
É uma longa briga contra o tempo, que urge. O professor auto denomina-se sortudo, e se vamos aceitar isso desde o primeiro episódio, já sabemos até onde iremos. Aqui, nada é tão espetacular. E o final é previsível. Esperamos, realmente, que a próxima temporada (prometida pelo Netflix para 2019) possa, de fato, nos levar a algum lugar que faça sentido.