Um debate-embate ecológico
Por Fabricio Duque
Barry Hampe escreveu em seu livro “Making Documentary Films and Reality Videos” que “fazer um documentário é um exercício de construção de um modelo” com suas “evidências visuais”, suas oposições e seus pontos de virada. É a essência pura e simples de conflitar e causar tensão estrutural. Mas o diretor brasileiro André D’Elia resolveu expandir vertentes narrativas em seu mais recente documentário “Ser Tão Velho Cerrado”, e criar uma ode ecológica ao Cerrado “rico e milionário”.
Exibido na Mostra Ecofalante de Cinema Ambiental 2018, em sua sétima edição, no Centro Cultural Banco do Brasil do Rio de Janeiro, a obra é um filme denúncia. E incomoda, tanto que a plateia interferia com a expressão “Nossa!”. “Informando as pessoas conhecem e conhecendo, tem um motivo para agir”, frase esta de uma das personagens. É um estudo didático sobre os impactos ecológicos da Chapada dos Veadeiros, em Goiás. Uma aula detalhista sobre a geografia do local, com sua “flora e fauna especializado” e com seus cenários-belezas naturais, que fornecem “vida e sustento” a seus moradores.
“Ser Tão Velho Cerrado” busca também quebrar a forma e inovar na técnica ao conduzir o espectador por uma narrativa debate, ritmada e cadenciada, com suas réplicas, tréplicas e expositivos confrontos diretos. Não há como negar uma certa semelhança com a estrutura do documentarista americano Michael Moore.
Estes moradores locais, os Kalungas, maiores representantes da Chapada dos Veadeiros, preocupados com o fim do Cerrado em Goiás, procuram novas formas de desenvolver a região sem agredir o meio ambiente em que vivem. O desafio, agora, é conciliar os interesses relacionados ao manejo da Área de Proteção Ambiental do Pouso Alto. Para isso, a comunidade científica, grandes proprietários de terra e defensores do meio ambiente iniciam um diálogo delicado, mas necessário.
É “briga de cachorro grande”. Os vulneráveis versus os poderosos. De um lado, os remédios medicinais e a vida orgânica livre de agrotóxicos. Do outro, o querer desenfreado do progresso, que atravessa culturas, pessoas e a proteção da natureza. Cada um busca sobreviver, impondo simplicidade e humanidade contra o “veneno” da máquina política na produção em massa (visando o financeiro sem a preocupação da saúde – e que confunde “cultura com pobreza”).
“Ser Tão Velho Cerrado” constrói uma narrativa ágil de Júlia Saleh, intercalando depoimentos em tom clássico com a resposta explicativa dos atores em cena, como Juliano Cazarré, que representam a sociedade, mostrando a grande importância do “equilíbrio do bioma” cerrado. Uma das críticas é a presença do homem, nós seres-humanos, que destruímos ao invés de preservar.
O Cerrado está entrando em “extinção irreversível”, alterado dramaticamente e sendo impedido de manter a “diversidade de animais”. “Já chegou a seu clímax evolutivo, não se recupera mais”, diz-se. É um documento que não só mostra a causa, mas também suas soluções. Possíveis, salvadoras, resolutas e ecologicamente protetoras. É um filme sintropia, uma entropia negativa, que contribui para o desenvolvimento organizacional, seus “planos de manejos” e suas “sementes criolas centenárias”. Que inclui o “turismo atraente”.
“Ser Tão Velho Cerrado” disseca um mundo em destruição. Em um discurso militante, inflamado e também espirituosamente sagaz. Com seus córregos poluídos com mercúrio. Com suas minerações. A solução é retroceder. Lutar contra essa crueldade que “rouba terras e plantação própria”.
Mas o documentário também pode ser enxergado como um filme propaganda. De ideologia unilateral. Tanto que no final da sessão, espectadores perguntavam uns aos outros se era um peça de marketing realizada pela Fundação Mais Cerrado. Não, não é. Contudo, parece sim. Questiona o problema da falta d’água com graça de “imaginar um político tomando banho de canequinha em Brasília”.
Parece também um programa jornalístico à moda denúncia de uma matéria exibida no programa Fantástico da Rede Globo. “É temerário deixar na mão de um Estado guiado pelo agro-negócio”, discursa. Porém, não podemos negar que esta é uma obra de utilidade pública social. De confrontar e gerar o acordar. É um filme despertador. Que nem a ex-presidente Dilma é salva. Tampouco Michel Temer. O público não consegue deixar de pensar como é e será difícil toda essa organização governamental pela discrepância dos interesses: vida versus retorno monetário. “Querem acabar com o Cerrado para alimentar vaca na China”, é dito e inevitavelmente gera gargalhadas do público.
“Ser Tão Velho Cerrado” é um trabalho de conexão. De um mundo interdependente. Que tenta salvar a humanidade, mas quem poderia ajudar está do lado “negro da força”. E bruta. É um filme que desconcerta. E que cumpre o seu papel social, ainda que pelo confronto unilateral aos “cangaceiros” modernos de um faroeste em uma terra de oportunistas leis que privilegiam poderosos e não o povo, que por sua vez ainda não se deu conta que é a própria sociedade.