Rosemberg: Cinema, Colagem e Afetos
Um animal político com garras afetivas
Por Fabricio Duque
O documentário “Rosemberg – Cinema, Colagem e Afetos”, de Cavi Borges e Christian Caselli, sobre a vida e obra de Luiz Rosemberg Filho, que estreia nos cinemas, é acima de tudo uma aula-carta “carnaval de emoções” afetiva “de amor ao outro”, um resgate transgressor, uma revisitação à história do cinema deste cineasta “censurado”. É uma oportunidade aos mais jovens de descobrir a sétima arte em sua forma mais pura. Acordar o Rô é permitir que verdadeira arte cinematográfica não morra. Perpetuar suas ideias é questionar a essência do real do conceito visual.
Aqui, tudo é simbólico, alegórico, sarcástico, ultra verdadeiro, irônico, perturbador, libertador, simplista sem ser simplório, decidido, decisivo, revolucionário, passional, desordeiro, briguento, alfinetado, polêmico, “musical”, “anti-cinematográfico”, subjetivo, alienante, visceralmente rasgado, carismático, alegórico, rançoso, cru, cruel, fofo, intimista, fragmentado, amoroso, crítico, “mulherengo”, transcendental, moderno, atual, melancólico, bruto, de efeito, amigo, explicativo, curioso, doloroso, representativo, vívido, científico, ficcional, idiossincrático, bélico, parisiense, imagético, ideológico, apaixonado, burocrático, santificado, demoníaco, popular, humano, humanizado, poético, espetaculoso, subversivo, amador, enérgico, hiperbólico, purificador, solar, polinésio, chinês godardiano, pretensioso, glauberiano, over, masturbatório, sexual, antropofágico e “contra as religiões”.
Luiz Rosemberg Filho é o completo animal político “palhaço”, o “cidadão kaneano”, o monolito de “2001 – Uma Odisseia no Espaço”, de Stanley Kubrick, o “homem na lua”, um “cantante na chuva”, que proporciona um serviço à sociedade e à humanidade por desconstruir a lógica da regra massificada. “Se não fossem as imagens, eu teria ficado louco”, diz devido a sua saúde frágil da infância. O homenageado expõe sua utopia, com recepção tão subjetiva, tão realista, tão generosa e tão vigorosa, mas ao mesmo tempo tão impotente, que nós, seu público, parecemos estar no limbo do “salão Negro” de “Twin Peaks”.
Rosemberg é um cinéfilo nato (e devido seu exílio em Paris em 1970, pode colocar em dia todos os filmes “proibidos” no Brasil), e vaga sem pressa pelos halls dos cinemas, esperando o filme começar e sempre com um livro a tira colo. O mural com colagens em sua casa representa um diário afetivo de fragmentos (“de um discurso amoroso”) vividos e gostos únicos, sempre de tamanho GG (Godard e Glauber), uma maneira de nunca esquecer sua trajetória familiar-cinematográfica (tem até filipeta política) e se “embrenhar na beleza das mulheres”, em Henri-Georges Clouzot, em “Tempos Modernos”, de Charlie Chaplin, em Nicolas Ray, em Bertolt Brecht (“subversão ao espetáculo”), em Picasso, no Teatro, em Zé Celso (“que em sua oficina mostra mais do que toda a História do Cinema brasileiro”). Tudo, “uma aula de educação sentimental”. “A política é exercida para empobrecer”, diz.
Uma das maestrias de “Rosemberg – Cinema, Colagem e Afetos” não está somente na atmosfera de sua câmera submersa e sensorial, tampouco somente em sua excepcional montagem, mas sim encontra-se na unicidade e liberdade das ideias sagazes, perspicazes, espirituosas, de “zoação”, de pilhéria, de picardia, de transcendência, de polêmica crítica (alfinetando “Cidade de Deus” e “Tropa de Elite”) deste realizador no auge de seus mais de setenta anos e de seu cinema de invenção. “A televisão é uma imagem de deformação”.
Rô, como é chamado pelos amigos, reverbera em suas obras uma antropofagia metafórica de você comer o outro para buscar a própria existência, que é “influenciada pela selva da cidade grande”. Aqui, seus filmes transgressores (“enganando a censura da época”) têm os porquês explicados. E assim, como a música “Que País é Esse?”, dita “palavras dolorosas não representadas, mas vividas”. “Um mundo virou uma ficção científica”, “A imagem certa é um instrumento bélico”, “A guerra do Paraguay”, “Dois Casamentos”, tudo é maravilhosamente pontuado. Nós poderíamos ouvir Rosemberg falar por horas. “A América do Sexo”, “Assuntina das Amérikas”, “Jardim das Espumas”, tudo parece ter influenciado Peter Greenaway e seu “O Livro de Cabeceira” pelos “poemas no corpo”, uma “respiração à poesia”.
“Todos fazem cinema, mas poucos fazem filmes”, cutuca com “vara curta” para complementar com “masturbe seu urso”. “O que seria um mundo sem imagens?”, “Brasil é isso: não se consegue levar adiante seu sonhos”, a “falência”, “Como matar um cineasta brasileiro?”, estas são questões ainda “tabus”, de desencadeia uma “ agora a censura é ideológica e burocrática, piorou”.
“Rosemberg – Cinema, Colagem e Afetos” é sobre paixão, tesão, desejo, ser “santo”, ser “vedete”, ser “popular não burro”, ser sarcástico com conteúdo, ser solar, solaris com Trenzinho Caipira” de Heitor Villa Lobos. Corra ao cinema e surte a própria mente! Amém!