Um mar de ideias soltas
Por Bruno Mendes
O longa brasileiro O Homem do Futuro acertou enquanto filme de gênero genuíno, mesmo que moldado em concepções amplamente utilizadas no cinemão mercadológico. Seguindo pelo mesmo tema – a viagem no tempo e suas implicações em acontecimentos reais, mudanças na vida, etc – “Rio Mumbai” (dirigido por Gabriel Merlin e Pedro Sodré) arrisca-se em mares mais ousados que o filme de Cláudio Torres e não deixa de ser um exemplar daquilo que podemos chamar de “ponto fora da curva” em relação ao que o cinema brasileiro já apresentou. Bom sinal. É uma pena que o roteiro tenha dificuldades em confluir o fluxo de ideias.
No longa o protagonista é o jornalista Nelson (interpretado por Pedro Sodré, que além de dirigir também assina o roteiro com Gabriel Merlim e Gabriel Wainer), um sujeito que mesmo sendo o melhor redator da equipe está insatisfeito com o trabalho e infeliz na vida conjugal com Maria (a atriz Clara Choveaus). Após passar por situações anormais, é informado pelo amigo Alberto (o ator Bruce Gomlevsky) que os acontecimentos têm uma explicação sui generis: trata-se de uma viagem no tempo. Deslocar-se para outra realidade. Evoluir psicológica e espiritualmente, encontrar respostas. Tudo é possível e algumas mudanças já estão escritas no calendário do destino.
“Rio Mumbai” é um filme de intenções abertas e sugeridas. Há propostas de reflexões sobre um processo idiossincrático de solidão vivenciado no Rio de Janeiro quase atual. O Rio dos protestos de 2013 ( não vai ter copa?) é majoritariamente flagrado em ambientes fechados, quando é dia o sol é discreto e a noite tem ruas vazias, até o bar da zona sul parece meio sem graça, fim de festa. O tom colorido e propagandesco das novelas e propagandas de sandália passa longe, afinal a cidade mais conhecida do Brasil mundo afora é quase tão “sem vida” quanto o protagonista envolto em problemas existenciais estranhos.
Descarte os maquinários ultra tecnológicos, capacetes bizarros, carros velozes. Esqueça efeitos especiais e cenários portentosos. As viagens ao futuro e ao passado em Rio Mumbai estão alinhadas a conceitos místicos e existenciais e é flagrante o fascínio dos realizadores pelo tema e as múltiplas implicações simbólicas e reais acerca da condução para épocas distintas. Se não faltam reflexões e caminhos por bifurcações amplas e estreitas, o filme peca em não harmonizar as peças do jogo. Em outras palavras: o filme fica “poluído” de intenções e é amplamente prejudicado no aspecto narrativo.
Ok, é até intrigante pensar nas ponderações físicas e matemáticas sobre antevisões pela perspectiva do cientista interpretado pelo ótimo e imprescindível Gomlevsky( caso o filme fosse representado por um ator menos inspirado, acredito que o resultado seria desastroso) . E apesar do guru indiano em cena reverberar incômodos lugares-comuns sobre necessidade de desapego de bens materiais, são curiosas as nuances relativas às viagens do tempo que escapam da linha cientificista ocidental.
Contudo, o jorro caótico incomoda e enfraquece a obra. Hora ou outra Rio Mumbai parece ter sido escrito por um cientista envolto em suposições mirabolantes sobre um tema e por um representante místico com reflexões existenciais presas à alguns chavões encontrados em livros de auto-ajuda adquiridos por ocidentais estressados.
Com isso, o filme torna-se fragmentado e, portanto, superficializado, embora a boa participação do elenco sugira um quê de seriedade. E o aspecto bom de Rio Mumbai passa, sobretudo, pelos atores em cena. Gomlevsky, com o mencionado talento, é hábil ao conceber um sujeito sensível, sonhador com espírito paterno e ao mesmo tempo fiel às conclusões cientificas as quais defende.
Já Pedro Sodré oferece verdade a um tipo introspectivo e reflexivo, que busca respostas após deflagrar-se com situações desconhecidas. Infelizmente a boa atriz Clara Choveaus tem pouca participação em cena, fato, que compromete o caminhar da história, pois a relação de Maria com Nelson é desenvolvida de modo parco, apressado.
Rio Mumbai é inventivo. Mira com perspicácia um tema já flagrado por tantas lentas. A busca pelos contornos místicos e por abordagem mais madura é louvável, mas infelizmente o acúmulo de propósitos obscureceu os objetivos idealizados!
Muitas ideias. Amplas caminhos narrativos para “propor reflexões”. Pressa na solução de problemas. Ansiedade para esclarecimento de dúvidas. Faltou ao filme o espírito reflexivo e a calma do guru indiano. Fica para a próxima!