A Memória Estendida de Carlos Reygadas
Por Fabricio Duque
Não existe meio termo quando se fala em Carlos Reygadas. O cineasta mexicano divide opiniões, tendendo ao “ame ou odeie”. Seu recente filme não poderia ser diferente. “Post Tenebras Lux” integra o time de diretores autorais, que utilizam o cinema como experimentação técnica e ou narrativa, que de tanto recorrer a este recurso, já se “cria” um gênero. Carlos usa e abusa de subterfúgios técnicos a fim de contar uma história não linear sobre uma família em épocas diferentes, com elipses que não se explicam, buscando a interpretação individual (e aberta) do espectador. O diretor conduz inúmeras vertentes cinematográficas ao seu contexto escolhido, o existencial e surreal. O primeiro por planos longos, detalhistas, ensaiados. O outro por referenciar o cineasta tailandês Apichapong Weerasethakul. É um filme de poesia crua, que respeita o tempo dos acontecimentos, o excedendo na imagem. Se as pessoas precisam ir a algum lugar, então o processo é mostrado. As nuances aparecem pela fotografia, utilizando-se lente especial, quase um filtro pré-moldado, para que o que se vê possa ser duplicado em sombras. O curioso é que há algumas cenas, poucas, que este recurso não é usado. A película mostra uma família (com dois filhos, empregados) recomeçando por causa de problemas sexuais, que se muda da cidade ao campo, e indica que alguém morrerá pela inclusão narrativa de um diabo estilizado, animado e iluminado, servindo de metáfora para transpassar que o lugar precisaria de uma limpeza do mal, percebido no final, pela figura de um personagem (que não contarei). O diretor em questão aqui sabe exatamente o que faz, mesmo quando opta por cenas amadoras, como a do sequestro e ou do grupo de apoio emocional; e por instantes epifânicos e psicodélicos. Ouvi de uma colega de profissão quando esperava a sessão começar: “É um filme chato. E olha que eu gosto de filmes chatos”. Não podemos negar isto. É chato sim. Longo e arrastado, ora soando pretensioso demais. Mas em hipótese nenhuma é ruim. Sem querer ofender e ou estereotipar segmentos sociais, “Post Tenebras Lux” (que em latim significa “Depois das Trevas, Luz”) não é voltado ao grande público, mas de cinéfilo a cinéfilo. Fato observado na própria exibição do filme. Não havia barulho nenhum, nem do saco da pipoca. Silêncio total por parte do público (já que os funcionários do Odeon resolveram limpar o cinema e conversar na hora mais silenciosa da trama). A confusão narrativa ajuda o resultado satisfatório, que se comporta como um quebra-cabeça, porque na verdade são memórias, medos, sonhos e esperanças, mesclando fatos reais e ficcionais passados e ou póstumos. Concluindo, pode ser visto ou como uma obra de arte, ou um exemplo de pretensão, ou como o filme que ganhou Melhor Direção no Festival de Cannes deste ano. Pode ser chato, conceitual, experimental ou de inovação. Como disse no início, não há meio termo (vaiado em várias exibições à imprensa, incluindo a de Cannes) e pela discussão pós-filme, já desencadeia a obrigação de vê-lo. Recomendo. “Trato apenas de compartilhar o que vivo, sinto e imagino. Sinto-me livre em todos os sentidos. Às vezes até tento fazer um filme mais fácil, mas não consigo” e “Não me importa o que a imprensa pensa de mim. Se não gostarem dos meus filmes, isso pode até ser positivo. Meu objetivo não é agradar o máximo de gente possível. Interessa-me que algumas pessoas possam ser tocadas pelo filme”, finaliza Carlos Reygadas.