Curta Paranagua 2024

Crítica: Por Trás dos Seus Olhos

Um filme que nos faz enxergar melhor

Por Fabricio Duque


Marc Foster apresenta, em seu mais recente filme, “Por Trás dos Olhos”, até que ponto um ser-humano (o marido) pode ir para proteger (o lado dele) incondicionalmente seu amor pelo objeto “troféu” (a esposa). Aqui é a representação imagética de quem olha e quem é olhado. É a metáfora da submissão feminina versus o poder machista, este que “luta” para manter a padronização limitada dos impositivos maniqueísmos construídos por uma sociedade “cega”.

O diretor suíço (de “Mais Estranho Que a Ficção”, “Em Busca da Terra do Nunca”, “007: Quantum of Solace”, “O Caçador de Pipas”, “Guerra Mundial Z”) conduz o espectador pelo tom sensorial, atmosférico, psicodélico, de existencialismo cósmico-realista, de realidade, espectros, vultos, fantasia, sombras, formas e borrões. não há como não referenciar ao diretor Terrence Malick e seu “Árvore da Vida”.

“Por Trás dos Olhos” conta a história da personagem Gina (a atriz Blake Lively), que perdeu a visão ainda criança, em um acidente grave envolvendo seus pais. Acostumada à deficiência e às limitações, ela vive (vulnerável) com seu marido James (o ator Jason Clarke) na Tailândia, graças a uma promoção que ele recebeu.

Gina é completamente dependente do marido, em uma situação que agrada a ambos. Um dia, um médico decide testar uma nova cirurgia em Gina, que permitiria resgatar a visão de um dos olhos. Ao aceitar o procedimento, ela finalmente descobre um mundo novo, munida da vontade de viver várias experiências de que foi privada a vida inteira. Logo, a independência de Gina põe o casamento em risco e a previsível rotina de um casal sistemático. Agora não é mais frágil, acordando uma descomunal vontade de “gastar” a vida como ela é. Na sua plenitude e completude. Com suas qualidades degradês e por quê não também seus defeitos.

É a jornada do conhecimento. Do recomeçar a perceber cores. De redefinir o que conhecia, porque agora a máxima do “o que os olhos não veem, o coração não sente” não é mais aplicada. Gina parte em sua particular aventura de explorar tudo e todos, sem amarras, preconceitos, medos, culpas.

É um mundo que se expande, e ao longo do processo, ela começa a melhor enxergar (mais pelo lado de dentro – dos sentimentos não hipócritas) a essência, caráter e as consequências comportamentais do ser e do agir de cada um a sua volta. É como se acordasse de um transe, de um estado catatônico, de um resignado e consentido coma.

“Por Trás dos Olhos” mostra as facetas mais sórdidas dos próximos entes-indivíduos, traçando as fragilidades da personalidade, como a covardia do marido de não a proteger de um assédio e ou da desesperada e reprimida incapacidade dele de se solidarizar (e sentir na própria pele o que a esposa sentia) quando é vendado e amarrado para satisfazer um fetiche da nova Gina. E contempla como um olho mágico voyeur as infinitivas possibilidades de prazer. O sexo explícito dos Peep shows estimula e pode separar quereres de apenas curiosidades.

A narrativa dirige pelo ritmo cadenciado de um real suspense psicológico de iminentes perigos cotidianos, que potencializa ruídos e barulhos como forma supressória do sentido visual. Quando aumenta a percepção do olhar, outros estímulos instauram-se como brindes: a perspicácia, por exemplo. E quando suas “asinhas” estão prontas para voos maiores, alguém com medo, orgulho ferido e intimidado precisa a “recolocar” no lugar, como um “descanso” na fantasia permitida de um dia para recuperar as forças e retomar a realidade.

Mas seguindo regras já desenhadas do cinema americano e sua estrutura Hollywood de ser (apesar de influir na estética “quero ser Sundance”), “Por Trás dos Olhos” desperta reviravoltas irregulares, urgentes gatilhos comuns de finalização (como a carta deixada, a traição, a digressão resumo – corroborando o que o público já assistiu) e elipses videoclipes que completam o ciclo com o intuito de não deixar pontas soltas. Estes detalhes podem incomodar, contudo não prejudicam seu contexto e sua premissa conceitual.

“Por Trás dos Olhos” é um filme denso, tenso e que tem controle absoluto do roteiro. Com uma fotografia concretamente poética, de projeção-epifania, nós somos absorvidos do lado interno da córnea, captando sensações, sentidos e descobertas. De ressignificar o “diferente” do “All I See Is You” (título original – “Tudo que eu vejo é você”. É a viagem de uma mulher presenteada a descobrir que o verdadeiro inimigo não era sua deficiência visual e sim sua internalizada cegueira. Exibido no Festival Internacional de Cinema de Toronto 2016.

4 Nota do Crítico 5 1

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