Uma reportagem já apresentada
Por Bruno Mendes
O acidente aéreo que tirou a vida de quase um time inteiro da Chapecoense comoveu o Brasil e foi desses acontecimentos praticamente raros. Acidentes aéreos não são freqüentes, mas acontecem. De todo modo, nunca o Brasil viu uma equipe de futebol praticamente inteira falecer em circunstância trágica, como naquele novembro de 2016. O ineditismo ali estava e o sentimento de incredulidade foi compartilhado entre amantes do futebol e até por quem não acompanha o esporte.
Diante das circunstâncias o documentário “Para Sempre Chape”, dirigido por Luis Ara, encara um desafio firme pela frente: precisa colocar a lente sobre um drama recente, amplamente divulgado pelos veículos de comunicação. Um acontecimento triste por si só. Inesperado, impactante como poucos. Logo quando se descobriu que atletas, dirigentes do clube de Santa Catarina e jornalista morreram, pouco foi questionado: quem foi o responsável pelo acidente? A consternação reinava. A tristeza por um fato grava acometer um time pequeno no cenário futebolístico brasileiro, que chegava a sua primeira decisão internacional, esmagava qualquer outro tipo de elucubração. Justo.
Luis Ara seguiu no caminho fácil e inicialmente alicerçou a obra na resposta a um questionamento: O que é a Associação Chapecoense de Futebol? Um time de futebol criado em 1973 que superou as dificuldades e obteve amplos êxitos no século 21, conquistando estaduais e subindo da série D do campeonato brasileiro para a Série A em tempo recorde.
Recortes de jornais antigos e declarações apaixonadas de dirigentes expõem a grandeza do time catarinense, que venceu as adversidades com garra, contando com o apoio dos atletas e da população, que ano após ano passou a amá-lo cada vez mais. O grande problema do documentário de Ara consiste no fato de ele abordar a Chapecoense pelo mesmo ângulo da mídia tradicional. Não há um enfoque repentino, um gancho não explorado, um personagem surpresa.
Evidentemente a estrutura narrativa de um documentário aproxima-se do jornalismo televiso mais “elaborado”, aquele um pouco mais “nobre” que o jornalismo factual, da hard news. Contudo, a preguiça narrativa é flagrante em Para Sempre Chape. Por mais que os relatos dos sobreviventes do acidente (o lateral Alan Ruschel, o goleiro Jakson Follmann, o zagueiro Neto e o radialista Rafael Henzel), dos familiares e funcionários do clube sejam dotados de pura sensibilidade e emoção, observamos neste exemplar uma grande reportagem já apresentada.
Faltaram vozes de moradores de Chapecó. Faltaram mais atletas antigos desse time que se fez gigante. Mais idéias externas para engrandecer a abordagem, ou talvez foi escasso apenas um olhar novo, mais criativo e menos engessado sobre a tragédia.
Para sempre Chape não solicitava um tratamento “fora da caixa” em termos de forma. Nada poderia sobrepor ao acontecido, que grita por si só. Então, o convencionalismo narrativo não determina a palidez do produto. É até interessante quando um dos funcionários do clube relata que iria viajar para a Colômbia com a delegação, mas desiste, pois opta por assistir a apresentação de balé da filha de quatro anos.
É bem evidente e até comovente o zelo dos funcionários da Chape e da população de Chapecó (embora tenha falta mais “povo fala”, como fora mencionado) com o time. Flagramos um orgulho daquela população e um sentimento de família, de um modo que é pouco compreendido por quem está apenas acostumado com certo nível de impessoalidade de cidade grande.
Quando a chuva cai forte na tarde nublada, nem foi preciso do relato do dirigente para supormos que a cidade ficou calada e incrédula nos dias seguintes à tragédia. Os flagrantes da lente validam o pensamento de que Para Sempre Chape também pode ser apresentado como um filme sobre relações humanas e o sentimento de amizade que vai além da paixão futebolística em si.
Sem dúvidas a história do Chapecoense é belíssima e não foi pro acaso que o clube ganhou simpatia dos torcedores de outras equipes do Brasil inteiro. Amamos futebol, amamos história de superação e reviravoltas. O documentário é mais uma apresentação dessa saga trágica sem ponto final e em estágio de recomeço.
É uma pena que seja apenas uma reedição do farto material jornalístico sobre o tema. Chapecó e o Brasil mereciam um olhar mais criativo e até mesmo entusiasmado sobre o tema.