A superfície de vidas invisíveis
Por Fabricio Duque
“Os Invisíveis” é muito mais que um filme sobre o nazismo e suas consequências, é sobre sobreviver em uma solidária clandestinidade, em que o próximo ao “ajudar um, salva todos os outros”. Dirigido e roteirizado pelo alemão Claus Räfle, e exibido no 22º Festival de Cinema Judaico de São Paulo deste ano, sua narrativa é uma tríplice condução: a representação ficcional teatralizada e mais suavizada; as imagens de arquivo que apresentam a verdade da transformação de uma Alemanha iniciando na ocupação Hitleriana até a proteção dos Russos; e as lembranças em detalhadas memórias de seus quatro sobreviventes.
O longa-metragem é uma obra híbrida, mesclando dramas interpretados com o documentário de vidas que passaram vivamente pelos momentos trágicos abordados. Destes que não desistiram porque “amavam a vida”.
Berlim, 1943. Após o Partido Nacional-Socialista declara oficialmente sua perseguição ao povo judeu, muitos deles precisaram se tornar praticamente invisíveis. Quatro destacaram-se nesta tarefa: Hanni Lévy (Alice Dwyer), de 17 anos, que passa despercebida pelos perseguidores por seu cabelo loiro, Cioma Schönhaus (Max Mauff), um falsificador de passaporte que usa de sua habilidade para salvar vidas, Eugen Friede (Aaron Altaras), engajado em um grupo de resistência e Ruth Arndt (Ruby O. Fee), que finge ser uma viúva de guerra para soldados nazistas.
“Os Invisíveis” adentra a intimidade de vidas em em recorrentes fugas, em persistentes exílios, abrindo mão das próprias identidades de ser para conservar a essência na possibilidade de ser o outro, este um salvação “Lista de Schindler”, de Steven Spielberg. E ou “O Pianista”, de Roman Polankski. São conduzidos pelo acaso, pela sorte da vida, pelo esquecimento do universo, atravessando violências, crueldades, hostilidades, fascismos, preconceito imposto e o querer extremo de continuar a seguir.
O tom novelado (e fora de tom) do início é equilibrado ao longo da trama coral. Suas personagens (os quatro sobreviventes retratados) existem de forma independente dos demais. Aqui, os outros simpatizantes simbolizam o paraíso e não o inferno, colocando em risco as próprias liberdades em bem comum do próximo. É a máxima do altruísmo contra um sistema de governo ditatorial e aviltante.
Cada um sobrevive como pode. Com seus jeitinhos e suas ilegalidades. Tudo em prol da vida contra o extermínio. Parece ser mais um filme do nazismo. E é. Mas de estrutura diferente ao dosar história, criação e verdade lembrada. Seus depoentes (na maioria em close) estreitam os limites de nossas distâncias, de nossas contemplações. Somos envolvidos no que se é e no que é reconstituído.
“Os Invisíveis” é sobre vidas em desconstrução, sobre sonhos quebrados, sobre dificuldades potencializadas, sobre a invisibilidade, sobre deixar a si para continuar sendo alguma coisa, esta confusa e temerosa. É um tema não esquecido dos alemães. Um assunto que precisa ser lembrado. Uma memória que impede a volta do horror contra a imigração, contra a intolerância de gênero, contra a aceitação de outras nacionalidades, contra seres humanos no lugar errado na hora errado.
Sua narrativa busca despertar a emoção e a humanidade de quem assiste, que se torna cúmplice e defensor dos perseguidos, tendendo mais à superficialidade das ações (em uma montagem ágil não contemplativa) que o aprofundamento naturalista do sentir. Sim, é um novela documento mais preocupada com o processo do ir que do seu chegar. As lembranças contadas de seus sobreviventes fornecem caminho e fio condutor para a suavização concretizada. A imagem quer a ingenuidade elipse do comportamento de suas personagens.
Concluindo, um filme que define se maniqueísmo e sua unilateralidade. Judeus versus nazistas. Bons versus maus. Judeus ajudados por alemães. Tudo sistematicamente definido para representar o politicamente incorreto e destrutivo poder do Terceiro Reich e suas devastadoras consequências de dissipar todos os “inimigos” de Berlim, que desejava manter uma Alemanha unida, ariana e igualitária. E todos foram salvos pelos russos, que por sua vez instaurou anos depois uma nova guerra. Pois é, não há como fugir da máxima de Jean-Paul Sartre: “O inferno são os outros”, mais próximos do que podemos pensar.