Os Iniciados
A Iniciação de Um Diretor
Por Fabricio Duque
Durante o Festival de Berlim 2017
“Os Iniciados”, de John Trengove, foi o escolhido para abrir a mostra Panorama do Festival de Berlim 2017, e agora integra a lista dos nove finalistas à categoria de Melhor Filme Estrangeiro no Oscar 2018. A principal maestria do filme está em sua unicidade e particularidade ao abordar o tema da homossexualidade na África do Sul, por um pano de fundo de um excêntrico e típico ritual da cultura enraizada dos ancestrais (De “Eu sou um Homem”). Esta iniciação liberta o ser, permitindo suas liberdades para descobrir e fortalecer o status quo definitivo da figura do homem completo e protegido.
Com uma predominante câmera subjetiva, o filme é desenvolvido pelos procedimentos (“cuidar e doar”) estruturais do ritual (de “transformar negros em brancos”, com cola pelo corpo – tudo em uma versão ficcional que mais parece um caseiro documentário), e pelos conflitos questionadores “dos propósitos” de um iniciante “implicante” (“um garoto da cidade”), que quer “corromper o sistema” e contradizer “Jesus e seus apóstolos” por descobrir o segredo mais bem guardado de seu “líder”, um amor proibido. Dessa forma, toda a existência do homem começa a ser revelada.
A trama de “Os Iniciados” ambienta-se no Cabo Oriental da África do Sul. Xolani, um operário solitário, ausenta-se do trabalho e viaja às montanhas rurais com os homens de sua comunidade, com intuito de ajudar nos rituais de Xhosa, que consiste na circuncisão de um grupo de adolescentes para que eles ingressem finalmente na vida adulta. A narrativa busca inserir o espectador na interatividade visual quando utiliza longos planos sequências que acompanham um dos personagens, cujos atores os interpretam entre a resignação respeitosa e a esperança da salvação. Todos aceitam a condição de seus futuros, acostumando com o não retruque, ainda que precisem esconder suas opções sexuais, seus instintos de um sexo sem beijo e sem papo, e seus “Iphone não Blackberry”.
“Os Iniciados” é o “Boyhood” (de “Richard Linklater”) da África. É sobre o estar integrado à cultura. É sobre despertar os sentimentos mais primitivos. O ciúme; a droga que “abre a consciência”; a bebida-música-catarse; a briga “testosterona” de ser; tudo é um retrato da hipocrisia de ter que ser outro para não “ofender” a moralidade social que no fundo também não sabe o que pensar. Não há como não referenciar ao filme “Antes o Tempo Não Acabava”, de Fábio Baldo, Sérgio Andrade, também exibido no Festival de Berlim, por causa de seu tema que confronta Anderson, um jovem indígena que entra em choque com as tradições de sua tribo. Mas não é fácil a decisão do ficar ou do sair. Abandonar o conhecido ou embarcar no desconhecido?
O medo é sim um norteador, muito argumentado (e estimulado pelas religiões de “O Nome da Rosa”, de Jean-Jacques Annaud, e pelas seitas adaptadas de “A Vila”, de M. Night Shyamalan, e ‘A Ilha”, de Michael Bay – entre tantos outros) por seus líderes que desejam aprisionar seus “discípulos” em suas ideias individualistas. Um dos grandes méritos de “Os Iniciados” é sua curiosidade. Contudo, o melhor da noite, foi sua apresentação pós exibição com o diretor estreante em um longa-metragem John Trengove (do curta “iBhokhwe”; produtor de “Eles Só Usam Black Tie”; e namorado do diretor Marco Dutra), o ator principal Nakhane Touré e o personagem real em que a história foi baseada. Os três deram uma aula sobre a hipocrisia da aceitação dos gays na África.