Curta Paranagua 2024

Crítica: O Roubo da Taça

Um Desbunde Anárquico de Diversão garantida e humor inteligente

Por Fabricio Duque

“O Roubo da Taça” corrobora a máxima-lógica filosófica de que há excessão em todo e qualquer gênero cinematográfico, e inclusive que há vida inteligente na comédia. Aqui, o longa-metragem dirigido pelo carioca Caíto Ortiz (dos documentários “Motoboys – Vida Louca”, “O Dia que o Brasil Esteve Aqui” “Estação Liberdade”), exacerba o humor naturalista-cotidiano-coloquial-espontâneo sem a caricatura clichê do gatilho comum já intrínseco e esperado. Não. Pelo contrário. O que se apresenta é um balé de piadas perspicazes que desencadeiam gargalhadas recorrentes no  público, muito pela desenvoltura cênica do protagonista Peralta (o ator Paulo Tiefenthaler, apresentador do programa “Larica Total”) em envolver quimicamente os outros atores em uma comédia de situações à moda mesclada “trash” de “Um convidado Bem Trapalhão”, de Blake Edwards; com a atmosfera setentista de “Jackie Brown”, de Quentin Tarantino; com a nostalgia orgânica-física (homens com suas camisas abertas, suas barrigas protuberantes e seus pêlos dos peitorais à mostra – dançando de cueca com a taça na mão – hilário); com ladrões “desengonçados” e “idiotas” parecidos com os de “Esqueceram de Mim”, de Chris Columbus; e com policiais “lançados” à sorte e ao acaso, igualzinhos aos do filme “Loucademia de Polícia”, de Hugh Wilson. De certa forma, as referências conversam entre si e “abraçam” toda o comportamento social “jeitinho carioca” de uma época que não se esperava o perigo e a impertinência dos criminosos. Havia um limite. Uma proteção. A violência não assustava, e sim os trambiques.
O filme, que alimenta a picardia desde o início da narrativa, logo nos créditos iniciais (“uma boa parte realmente aconteceu”), reverbera, e acima de tudo, respeita seus personagens, não os julgando em maniqueísmos politicamente corretos e sim, ampliando idiossincrasias, necessidades de sobrevivência, vícios inerentes e particulares, política atual (“a crise braba de 1982”) e uma crítica popular a Confederação Brasileira de Futebol (“Se a sala do presidente é assim, imagina o resto” sobre a “entidade máxima do futebol brasileiro”) e ao fato histórico do roubo da cobiçada “passional” (“a salvação era o futebol”) taça Jules Rimet (entregue aos campeões da Copa do Mundo), no Rio de Janeiro, em 1983. O corretor de seguros Peralta tem a ideia absurda de invadir a CBF e roubar a réplica desse tesouro nacional, para pagar uma dívida de jogo. Mas acaba levando a taça original, dando início a uma série de confusões inacreditáveis. “A réplica no cofre? Como a gente ganhou três copas?”, alfineta e o público “desaba” a rir. De novo. 
“O Roubo da Taça” narra a história resumida da taça, “Seleção Canarinho” e do rei Pelé. Com humor lógico. Por uma “femme fatale” abrasileirada, interpretada pela irretocável atriz Taís Araújo, com sua sensualidade oportunista de “mulata gostosa” para baratear compras no hortifruti de um dono “tarado”. Como foi dito, esses “criminosos”, quase “assassinos”, apenas dispunham de truques-armações “pirâmides” (que podemos traduzir em referência a “Nove Rainhas”, de  Fabián Bielinsky, um filme argentino, que, por coincidência ou não, neste o “vilão-chance-solução” também tem nacionalidade rival e vem da Argentina). Todos eles tentam um nível aristocrático com a “alcachofra” (pelo preço alto de compra), mas só conseguem, no dia-a-dia, um “strogonoff de azeitona”. “A sorte está lá fora solta”, busca-se o estímulo aos “esquemas” agindo como “As Panteras” de um submundo “subúrbio”. Nosso protagonista é um “bandido da luz vermelha” fracassado. Até nisso. A condução humanizada faz com que nós torçamos por esses errantes à margem da sociedade, que lutam pelo lugar ao sol, ainda que seja na superstição de usar branco e “calcinha amarela” na festa de final de ano (sem contar mais, promessa nossa, foi talvez o que ajudou todo o desenrolar sortudo à personagem). 
Enquanto uns acham que nada vai acontecer por “não ter inimigos” (e portanto não se estrutura uma proteção mais segura), outros, os malandros, espertos, “marrentos” de uma cultura de sobreviventes, descobrem brechas, “sinistros” e ideias surreais que acabam dando certo. O roteiro desenvolve tipos pessoais. Há o investigador “torturador”, há os que acreditam no “polígrafo” e há o Mr. Catra interpretando um comprador “maluco”. Entre imagens reais do Rio de Janeiro daquela época, novela com Mario Gomes,  e com a cobertura da Rede Globo de uma taça que realmente foi roubada, o filme caminha com fluidez, leveza, liberdade, com sutis provocações cúmplices (e aceitáveis) como “a cara do Magnum”; na ligação “delação premiada” do “Disk Taça” (outra gargalhada geral – “Só podia ser flamenguista”); e ou na “zona do Paraguai”. “Derrete com amor”, suplica na negociação amadora de pessoas que começam a “engatinhar” nas artes criminosas. 
E as situações acontecem nos acasos, nas reviravoltas da Lei de Murphy. Um segundo pode mudar tudo. Um detalhe pode salvar. Ainda que a macumba do caminho. E a glória é quando o salto do sapato prende na madeira. Aí, presente e futuro são descomplicados de vez. Como um passo de mágicas. “O Roubo da Taça” venceu o prêmio de público no Festival South by Southwest 2016 – conhecido como SxSW – em Austin, no Texas (EUA). O roteiro impecável é assinado por Lusa Silvestre. No elenco, ainda temos Danilo Grangheia,  Milhem Cortaz,  Stepan Nercessian, Fábio Marcoff. A relíquia nunca foi encontrada, acredita-se que foi derretida, mas o fato de não ter como comprovar só aumenta a curiosidade. E teve sua primeira exibição no Brasil na Mostra Competitiva do Festival de Gramado. Concluindo, um desbunde, anárquico, crítico, debochado, livre, trash, competente, divertido e maravilhoso. “Bons atores ajudam o filme a andar para frente”, finaliza o diretor com a música “Pecado Capital”, na voz de Paulinho da Viola que casa perfeitamente com o o que se desejar transmitir. “Dinheiro na mão é vendaval”. Altamente Recomendado. 
5 Nota do Crítico 5 1

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