Uma mãe que padece no paraíso
Por Fabricio Duque
Antes de traçar linhas analíticas sobre o novo filme estrelado pela atriz Julia Roberts é preciso entender o atual mundo em que vivemos, extremamente influenciador e catalisador à proliferação das drogas, subterfúgios que por sua vez funcionam como fuga da realidade, e que desencadeia em uma retroalimentação social, alterando e deturpando condições e ações.
Só que “O Retorno de Ben”, que participou do Festival de Toronto 2018, é muito mais que uma simples crítica sobre psicotrópicos ilegais (e até mesmo aos vendidos livremente nas farmácias), porque busca imergir o espectador em um estudo de caso familiar, que é conduzido pelo viés sentimental. O filho, “a ovelha negra”, causador de problemas e perigos a seus próximos, representa uma geração perdida, que cada vez se introjeta na artificialidade do universo digital para mascarar a incompatibilidade tímida de se inter-relacionar.
Dirigido e roteirizado pelo americano Peter Hedges (de “A Estranha Vida de Thimothy Green”, “Eu, Meu Irmão e Nossa Namorada”), “O Retorno de Ben” opta por uma referencial colagem narrativa. Ao mesmo tempo que segue o caminho do movimento dinamarquês Dogma 95, de Lars von Trier e Thomas Vinterberg, por sua câmera na mão e no momento da ação, também quer o tom de redenção existencial, pela presença da emoção potencializada que rasga a cena. Mas o objetivo indiscutível é parecer estruturalmente à atmosfera de Steven Soderbergh (de “Sexo, Mentiras e Videotapes”), diretor este queridinho dos atores, inclusive da atriz eternamente conhecida por “Uma Linda Mulher”, que é a protagonista aqui, pela edição de cortes bruscos no meio da própria cena, como para construir fragmentos da vida.
Ben Burns (Lucas Hedges, filho do diretor que foi convencido por Julia após tê-lo visto em “Manchester à Beira-Mar”) é um problemático jovem homem que volta para a casa de sua família certa noite de Natal. Sua mãe preocupada, Holly (Julia Roberts), o recebe com todo amor, porém logo percebe que ele ainda pode trazer perigo para seu lar. Durante 24 horas que podem mudar sua vida para sempre, Holly deve fazer de tudo para impedir que sua família seja destruída.
“O Retorno de Ben” conduz-se por uma espontaneidade encenada, afastando o sentir e permitindo que o público contemple intimistas e pessoais instantes. É a jornada de uma mãe, que cega por seu amor incondicional, adentra submundos para salvar seu filho dominado pela incessante vontade de usar drogas. Recentemente, e indicado nas premiações do cinema internacional, “Querido Menino”, de Felix Van Groeningen, abordou temática semelhante pela história de um pai que radicalmente decide experimentar a mesma vida do filho para entendê-lo.
Se na ficção com Timothée Chalamet, o diretor tenta fugir dos clichês característicos do gênero, aqui, a decisão é oposta. O emocional é fio condutor, confrontando Ben a muitos “gatilhos” e distrações em sua readaptação social. Este é um filme teatral. Atores são levados às últimas consequências de suas interpretações. O protagonista recebe a chance de provar em vinte e quatro horas que está apto ao retorno. E com todo um passado hostil e violento para o impedir de seguir em frente. Ele será testado neste “mundo de rupturas”.
Assim, o roteiro embarca, com sarcasmos cúmplices versus maniqueísmos engessados versus choques catárticos no cemitério, em um road-movie thriller à procura de um cachorro que sempre conservou a lealdade (e salvou seu dono da morte), comportando facilitador e óbvio demais, de saídas fáceis. É sobre confiança e aprendizagem de uma nova liberdade-vida pós-reabilitação. E mesmo sem querer querendo, desenvolve uma tradução terapêutica de seus jovens: sensíveis, dramáticos, urgentes, passionais, imediatistas, mimados, egoístas e excessivamente vitimados. E de seus pais: completamente despreparados nas criações deles, achando que a solução é sempre o sim absoluto aos mandos e desmandos. “isso não é humilhação, é amor”, diz a mãe.
Entre o caos do shopping em época de Natal, a motivação de uma mãe exagerada, vingancinhas com o ex-médico do filho, analgésicos viciantes, a reunião motivacional substituta da droga, “O Retorno de Ben” é sobre o “medo absoluto de voltar àquele lugar sombrio” (a sensação do fim do efeito salvador buscado – e ou a impotência e a tendência ao crime de “usar, roubar e se prostituir”) e sobre a hipócrita moralidade americana (baseada na imagética imposição expositiva do politicamente correto) de lidar com os excessos e vícios. Tudo parece falso e é. Ficcionalmente ou não. Sim, “Eu, Christiane F., 13 Anos, Drogada e Prostituída”, de Uli Edel, já fez isso de maneira muito mais convincente, visceral, realista e com credibilidade.
É um longa-metragem que força a emoção, que conversa diretamente com a naturalidade do povo americano de agir. A mãe, que “fala sem rodeios”, encontra verdades dolorosas e “administráveis”. Pois é, como foi dito, tudo aqui é facilitador, soando até mesmo desengonçado na montagem das cenas, potencializando o drama com clichê do ambiente de usuários de drogas. Ele faz “favorzinhos”, procura cachorro, sente vontade da droga. Ela o procura, grita e toma a pior decisão de sua vida antes do reencontro final.