Curta Paranagua 2024

O Outro Lado do Paraíso

Um Filme Que Nunca Deixa de Sonhar

Por Fabricio Duque
“O Outro Lado do Paraíso”, de André Ristum (de “Meu País”), exibido no Festival do Rio 2014, apresenta-se como um apólogo da esperança, porque ilustra um ensinamento moral quase parábola de vida por situações semelhantes às reais. Baseado no conto homônimo de Luiz Fernando Emediato (publicado em 1981), o filme aborda a influência na família (especialmente a fase de crescimento de seu filho, o protagonista) do sonho fundamentalista, extremamente religioso, utópico e sonhador de seu intenso e passional patriarca, que vislumbra em Brasília o “paraíso” do sucesso e do “progresso” (a nostalgia de um tempo parado e pausado). A narrativa acontece no ano de 1963 em Minas Gerais, e deseja mostrar a “chegada e saída como um vento” da loucura de se extremar a obsessão e a loucura pensante. O pai conta “causos” a seu filho, suaviando acontecimentos e tragédias à moda de “A Vida é Bela”, de Roberto Benigni. O filme inicia-se em estrutura novelada, resumindo e ambientando a história em quadrinhos com uma narração de estilo campanha política. Aos poucos, quando a trama é desenvolvida, essa suavização dá lugar ao aprofundamento sinestésico. O espectador vivencia na própria “pele” os dramas, dificuldades, preconceitos, arrogâncias, sobrevivências, anseios, fracassos, liberdades, perdas e medos, e acima de tudo, a empolgação incondicional e o entusiasmo desmedido de seus personagens, entre imagens de arquivo histórico-documental (que “casam” perfeitamente e ritmadas, inclusive inéditas do golpe de 1964, registradas pelo cinegrafista Jean Mazon) de uma cidade em construção e a música saudosista, também esperançoso, de Milton Nascimento. A parte técnica, em especial sua trilha-sonora, tem a maestria da força e da energia para conduzir equilibradamente o conto de uma vida privada que nada mais busca que a simples e plena esperança da “justa distribuição de nossos recursos”. O protagonista mirim, o filho, percebe-se, quase obrigatoriamente, tendo que entender o mundo como um homem. É a metáfora do crescimento e de sua transmutação em adulto-responsável (deixando assim o abstrato do querer para viver a concretude do praticismo necessário) por uma ingenuidade verdadeira, por uma ambientação romanceada e por uma “fofa” cumplicidade. O “sonho” da terra prometida é massificado pela televisão, pelo presidente João Goulart e pela ampla oferta de emprego. Assim, Antônio (o ator Eduardo Moscovis), que faz o que pode para conseguir dinheiro ao sustento do lar, muda-se à capital com a esposa e os filhos. O sonho da prosperidade, no entanto, é interrompido pelo golpe militar e ele, quase uma fábula Santo Cristo da música “Faroeste Caboclo” da Legião Urbana, envolvido com o sindicalismo, começa a viver um pesadelo. “O preço chega a doer no bolso”, diz-se. Mas toda glória e congratulações vão à interpretação naturalista, perspicaz, sutil, que lembra em muito a estrutura de “Meu Pé de Laranja Lima” (de Marcos Bernstein) do protagonista mirim Nando, o irretocável Davi Galdeano, que é tâo espontâneo em encarnar seu papel que não percebemos sua encenação. “Para de pensar errado, Evilah é história para criança”, diz-se. Aqui, percebemos uma inversão das figuras sociais. Pais que agem como crianças e crianças que se comportam com realismo resiliente. É um filme de ideias, de nostalgias esperançosas, de usar a utopia “permitida”, por Karl Marx e seu “O Capital”, e ou por Cleópatra, e ou por Rita Pavone, a fim de transmitir uma emoção mitigada de clichês e ou gatilhos comuns. Como foi dito, o espectador sente a dor, sente a escuridão do personagem, sente as “pessoas deixadas pelo caminho”, sente o “discernimento resignado” e sente que “sem os sonhos, ele parecia menor”. Concluindo, um filme que finaliza a mensagem de nunca deixar de sonhar e nunca, em hipótese alguma, perder a esperança. E sem momento nenhum reverberando pieguices, obviedades e sentimentalismos baratos. Um longa-metragem preciso, obrigatório e muito atual a nossa vivência em dias presentes. Recomendado.
4 Nota do Crítico 5 1

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