O Ódio Que Você Semeia
O que define a igualdade?
Por Fabricio Duque
Sim, seria ingênuo acreditar que o mundo de hoje já resolveu seus preconceitos político-culturais-comportamentais. Se analisarmos a teoria de Schopenhauer de que a “vida oscila como um pêndulo, para trás e para frente, entre o desgosto e o tédio”, então talvez possamos compreender que a questão racial ainda é mergulhada em um tom ofensivo, odioso e um tanto quanto mascarada ao politicamente correto.
“O Ódio Que Você Semeia”, do diretor George Tillman, Jr. (de “This is Us”, episódio 14 da primeira temporada, “Homens de Honra”), é uma ode à negritude, uma fábula moderna sobre a “honra em ser negro porque vieram da grandeza”. E também uma aula de um pai com medo do futuro de seus filhos, que os ensina desde cedo a “Declaração dos Panteras Negras”. Em uma narrativa que lembra em muito o seriado “This is Us”, pela perspectiva da filha de seis anos de idade (fruto de um “Casal Perfeito” e que precisa conviver – e se adaptar – com outras versões de si mesma), o filme conduz-se pela sinestesia, pela naturalização espontânea da carga emocional. “Conheçam seus direitos, seu valor”, diz.
Baseado na obra literária homônima da estreante escritora Angie Thomas (assumindo inclusive a produção executiva), que quando era estudante primária ouviu no noticiário sobre a morte de Oscar Grant pela polícia, o filme aborda a Thug Life (“The Hate U Give”, a tradução original, que se forma pelas iniciais das letras), que é o “ódio que você passa para as crianças ferra tudo”. Busca-se assim construir a intimidade com o espectador, adentrando no cotidiano da comunidade de Garden Heights, com seus guetos e facções, nos inferindo ecos de “Selma – Uma Luta Pela Igualdade“, de Ava DuVernay.
“O Ódio Que Você Semeia” é um longa-metragem atual, de revisitar a luta política. De transformar apatias em ações. De não abaixar a cabeça para os preconceitos vividos de uma sociedade cruel e pautada na aparência, cuja cor negra é motivo de separação e polaridade. Com inúmeras referências pop, de Tupac, cantor influenciador de Angie, ao filme “Straight Outta Compton: A História do N.W.A”, de F. Gary Gray, passando por “culturas” de embate, como a “vingança” mais para Beyoncé que Taylor Swift. É uma geração MTV que “dá uma de Solange”, alimentada pela música, pela convivência inter-cultural da diversidade, pelo tênis Space Jam, pelo perfume Old Spice.
Na primeira parte, o filme mostra um mundo aparentemente “normal”, apesar dos olhares “julgadores” das “meninas ricas e brancas”. Em que Starr, para ter “brilho próprio”, namora um garoto branco, que para ser aceito por ela ouve DJ Khaled. Sim, é uma obra manifesto. Um instrumento de voz àqueles que se escondem. De comentários e atitudes. De transpor a intimidação. Com “truques velhos” e com superexposição dos estereótipos (tiros nas festas e policiais racistas). “O que a sociedade dá a eles, volta à sociedade quando eles crescem”, sobre a paranoia do medo da vingança. Dos negros “reivindicarem” seus direitos “Black Power” e seu “lugar” no mundo.
“O Ódio Que Você Semeia” é um filme sobre negros que vivem entre brancos. Sobre a volta do pêndulo do passado. Sobre a necessidade enérgica de intensificar a luta apenas para existirem com uma cor diferente e poderem ser “bruxos Harry Potter”. É também uma novela, que manipula a emoção com trilha sonora ultra sentimental, tentando talvez suavizar o drama em si.
Na segunda parte, há um aprofundamento de violência psicológica, caminhando mais à moda seca e direta de “Detroit em Rebelião”, de Kathryn Bigelow, e menos crítica espirituosa de Spike Lee, e seu “Infiltrado na Klan”. O filme fica no meio termo de “Se a Rua Beale Falasse”, de Barry Jenkins, diretor de “Moonlight: Sob a Luz do Luar”, pela truculência da polícia, pela presença de um perigo iminente, pelo conflito-tensão intensificado, pela catarse de fazer com que o público sinta raiva, pesadelos, desespero, incômodo, vulnerabilidade e impotência.
O policial que matou Khalil já senta no banco dos réus como inocente. Há uma inversão de valores. Starr empodera seu medo e sua raça. Questiona ações e reações após o evento traumático. Perde o medo o medo do futuro, não liga mais para as consequências. Só quer expor a verdade e não “deixar isso para trás”. “O local que você vive não define quem você é”, diz-se, entre culto gospel, “caixão branco” (uma metáfora crítica?) e rede de proteção da “Just Us For Justice”. “É impossível estar desarmado quando nossa cor é a arma que eles temem”.
“O Ódio Que Você Semeia” é um filme que na terceira parte quer unir para “desmoronar” com “protestos pacíficos” e “brancos em boa causa”. É a volta dos Panteras Negras e suas “razões para viver e razões para morrer”. Quer a redenção e o final feliz. “Se você não vê minha blackness então você não me vê”, co suas diferenças culturais do “macarrão com queijo”. E ou o preconceito do pai com o garoto branco. E ou o discurso defesa do policial tio salvando a polícia. E ou seu tom acima. Tudo que querem é viver iguais em um “mundo complicado”. Sem injustiças e discursos de efeito. Se violação de códigos. É a redenção. De perdoar e seguir em frente. De referenciar a cultura negra para se sentir representado. Pela música final “Amazing Grace”. O longa-metragem é um estudo de caso. Que tenta vivenciar todas as emoções e sentimentos em um pouco mais de duas horas de duração. Funciona? Sim. Muito. Mas é demais? Sim, quando exagera o que não precisava mais ser “gritado”.