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Crítica: O Jardim das Aflições

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Sem Confrontos, Apenas Flores Ideológicas

Por Fabricio Duque


Há filmes, que de tão polêmicos em sua temática abordada, transcendem sua própria existência cinematográfica e representam a máxima “oito ou oitenta” do ódio ou amor, gerando a sensação de estarmos em uma final futebolística de Flamengo versus Fluminense e nos transformando em torcedores passionais-radicais. Não há meio termo. O exemplo mais recente é sobre “O Jardim das Aflições”, um longa-metragem que “não deveria existir” sobre Olavo de Carvalho, um “filósofo bobalhão” que não deveria ser sequer ouvido. Na verdade, “excomungado”.

Dirigido pelo cineasta e escritor pernambucano Josias Teófilo, com produção executiva de Matheus Bazzo e direção de fotografia de Daniel Aragão, “O Jardim das Aflições”, na tradução popular, é um filme “coxinha”, de “direita” e contra o Partido dos Trabalhadores. Para o leitor ter uma ideia, sua simples existência foi impedida de ser selecionada em quase todos os festivais de cinema do país, até que o Cine-PE aceitou sua inscrição.

Em retaliação à exibição do documentário, a primeira pública no Brasil (a primeira foi oficialmente internacional a pedido da coordenadoria do curso de Filosofia e do Clube de Filosofia da Virginia Commonwealth University em 23 de março de 2017), a classe artística iniciou um boicote ao festival e sete cineastas cancelaram sua participação, alegando motivos ideológicos, apesar de suas militâncias “pela diversidade”. Segundo Josias, os cineastas “agiram pior que Mao e Hitler, que pelo menos assistiam aos filmes antes de censurá-los”.

No documentário “Guarnieri”, dirigido por seu neto Francisco, sobre o mito dramaturgo-ator político, radicalmente de esquerda, o protagonista homenageado eleva a característica marxista ao extremo e à humanidade, quando diz que a diversidade e o respeito precisam ser analisados com coerência, inteligência, paixão, questionamento, sagacidade e ouvidos perspicazes, e não só uma passionalidade intransigente. Sim, Guarnieri acreditava que a liberdade de expressão era utopicamente necessária para que não se trocasse um ditadura por outra. Uma censura por outra.

“O Jardim das Aflições” foi o maior financiamento coletivo (crowdfunding) para um filme na história do Brasil até então, com arrecadação de R$ 315 mil reais entre cerca de 2.800 investidores individuais, superior à meta de R$ 252,5 mil, e vamos ser diretos e claros: se não fosse toda a polêmica que está com todas as sessões vendidas (inclusive a lotação máxima do Cinema Odeon no Rio de Janeiro), talvez o filme passasse despercebido. Pois é, mais uma vez, a esquerda ajudando a direita. Foi considerado pelo site Uol como “Aquarius da Direita”, em alusão ao filme de Kléber Mendonça Filho, também pernambucano.

Caro espectador, faça o teste! Pergunte à alguém o que achou do filme. Você terá construído uma tensão que poderá acabar com amizades. Sim, é verdade. Vamos entender aqui os motivos desta guerra ideológica. Olavo de Carvalho é considerado um ultra-conservador “filósofo de redes sociais” e “parteiro da nova direita”. Por sua polêmica verbal, altamente carismática e embasada, desperta a ira do “outro lado”, chamado de “patota”, talvez por morar nos Estados Unidos, ser pró-caçada (e armamentista convicto) e por lotar cursos-palestras. Muitos dizem que Olavo (o “Cristo da Direita”) é um “perigo à sociedade” por “idolatrar Donald Trump” e “Jair Bolsonaro”.

Inevitavelmente, não há como controlar ânimos dos dois lados. Assim, a maioria dos embates culminam em ofensas e elevações de voz. Dos dois lados. Talvez falte a ambos opiniões “ouvintes”, aceitando a diversidade das ideias, ainda que excêntricas, pelo comportamento espirituoso, próprio, particular, revolucionário que infere “Capitão Fantástico”, de Matt Ross, que coloca em “prática o que leram”, mas com a prudência do “calar e aceitar” e com o saber que é “hora de lutar”, ensina que argumentar com incisivo conhecimento sobre o assunto é uma questão de sobrevivência as próprias crenças. Não utópicas e ou sentimentais, mais técnicas-objetivas apaixonadas. Um filme “contra a tirania do coletivo”.

Uma das maestrias de “O Jardim das Aflições” é sem pestanejar a direção de fotografia “Polaroid” de Daniel Aragão (que dirigiu “Prometo Um Dia Deixar Essa Cidade” e “Boa Sorte, Meu Amor”), com seus “travellings” aéreos, passeios “ronda” de câmera para retratar o ambiente por detalhes, tudo em um visual poético de fotografia nostálgica envelhecida que busca do interior ao exterior. Até Brasília é traduzida sensorialmente como uma atmosfera futurista de ficção científica. Mesmo assim, o filme foi considerado “quadrado”, por sua narrativa tradicional “conservadora” de entrevista clássica com inserções cotidianas de sua vida em família (“rebeldia contra o Estado”), quase amadoras, com propósito caseiro, a fim de aproximar o espectador com a intimidade. Com isso, estreitar a distância, criar afinidade e humanizar o homenageado, extremamente religioso e “família” (apesar que se aprofundarmos as entre-linhas, nós perceberemos uma atmosfera “fake”, naturalmente encenada, artificial, quase robótica dos familiares).

No todo, temos que concordar que é a forma com que Olavo, pontua suas elucubrações que constrói o próprio filme. Suas ideias didáticas-naturalistas, nas explicações, são desenvolvidas sem pressa e com uma tolerante paciência, gerando um ouvido atento do público. Seu último livro “O Jardim das Aflições” vem da observação de Epicuro com outros jardins (do Éden, das Oliveiras), que “se transformam em aflições”. “A salvação do homem depende de quem controla as coisas”.

O público “contempla” um “bestalhão” (chamado por Pedro Bial em uma entrevista) Olavo “exposto à natureza” (à moda de “Matrix”). “O mato é a realidade”, diz-se. É o eterno embate bucolismo do campo versus cidade. Real versus fantasia. Entre as ideias sobre “liberdades individuais”; “normatividade que não expressa a realidade”; “o poder do Estado na modernidade sempre cresce”; imagens de bombas na guerra (metáfora alfinetada?); “Virginia, a mãe dos EUA”; “estamento burocrático”; “a política é o destino concreto do nosso tempo”; adaptações e aceitações dos termos; imagens de Brasília, tudo é inserido para que a máxima “a autoralidade vem do autor” seja enaltecida e respeitada.

Olavo de Carvalho, mesmo por “formação auto-didata de excelência” (também por Pedro Bial), embasa suas colocações e questionamentos por muitas citações de seus livros (alfinetando com um “nenhum comunista leu tudo isso como eu”), e explica até mesmo o começo do PT (“como tornar-se o que se é”) e do “ídolo petista” Antonio Gramsci, que foi um filósofo marxista, jornalista, crítico literário e político italiano. Escreveu sobre teoria política, sociologia, antropologia e linguística.

“O Jardim das Aflições” é acima de tudo sobre a liberdade de expressão de “processar o que se recebe” e “separar os possíveis super-heróis dos impossíveis”. Sobre questionar “ideias absorvidas sem origem”, sobre a “irrevogabilidade do tempo”. “Sem rastreamento biográfico, você não sabe qual o poder que se instaurou em você”, diz-se com “psicanálise intelectual”. Sim, inevitavelmente, começamos a perceber um discurso mais arrogante, antes disfarçado, um orgulho estudado e arquitetado à câmera. Uma “opinião verdadeira, não própria” “modelada ou que modela”, diz-se intercalando com outros filmes “Ivan, o Terrível”, de Serguei Eisenstein; “Limite”, de Mário Peixoto.

“Ele tem o dom de despertar inteligências e atrair loucos”, rasga “seda” sua própria família. “Sou refém dos malucos. O que vou fazer? Deixá-los mais infelizes?”. O homenageado resume sua vida por “lealdade”, adjetivo este que traduz o “gênero Western” (“No Tempo das Diligências”, de John Ford). “O tema é a busca da ordem da sociedade”, diz-se entre novas citações de Aristóteles, “a filosofia construída”.

Tanto tempo com Olavo, o “dissecando” de forma floreada (sem confronto) para “saber” de seu propósito, que é “conhecer a essência do sofrimento vida humana”, algumas “máscaras” são abandonadas e assim nós podemos adentrar em suas vulnerabilidades e suas contradições à moda de um “Quero Ser John Malkovich”, de Spike Jonze.

Após a sessão, como foi dito, em um Odeon lotado, “O Jardim das Aflições” complementou-se com um debate para dar “voz ao contraditório, diverso e plural”, que causa desconforto no “coxinha” (terminologia depreciativa empregada pelos esquerdistas aos direitistas conservadores) mais radical, visto que o ambiente “resplandecia” uma atmosfera de seita unilateral, em que qualquer frase ou discurso era exageradamente aplaudida. Como era de esperar, a vida e obra “magnetismo” de Olavo foi enaltecida (até aí tudo mais que normal e esperado – o “único a viver de direitos autorais”), porém o que foi explicitamente perceptível foi um sentimento de “austeridade” por parte da direita (em discursos de efeito – quase um culto evangélico – de dramaticidade técnica pseudo-carismática, menos emocional e que busca a máxima de Napoleão Bonaparte do dinheiro, dinheiro e dinheiro – “dinheiro é liberdade”) que duela com uma esquerda mais livre, mesmo que conversando com amigos petistas sobre o filme, quase me “agrediram” apenas por ter ido assistir ao filme. Radicalidade de um lado. Excesso do outro.

Quando o debate acaba, após a experiência vivenciada do filme, e com “agressões” dos próprios amigos “que pensam diferente”, o espectador condensa com mais afinco e profundidade o espectro ideológico do Centrismo. Nem direita, tampouco esquerda. Nem oito, tampouco oitenta. Pensar moderadamente é a chave, visto que um partido de centro não é nem capitalista extremado nem socialista, mas quando necessário defende o capitalismo sem deixar de se preocupar com o lado social. Na visão da política de centro, não deve haver extremismo e ou intransigência na sociedade. Trocando em miúdos, nem Flamengo, tampouco Fluminense, mas sim Botafogo. Por tudo isso, não podemos de forma alguma desmerecer o papel questionador que “O Jardim das Aflições” traz a nossa contemporaneidade.

A equipe do filme foi entrevistada pelo apresentador Danilo Gentili em seu talk show The Noite na segunda-feira anterior (29 de maio) ao lançamento, e o programa foi exibido na madrugada do dia da estreia (31 de maio). O mesmo apresentador, aproveitando o gancho, pede “ajuda” crowdfunding para seu filme “Qual o Limite do Humor?”.

3 Nota do Crítico 5 1

Pix Vertentes do Cinema

  • Gostei da fotografia do filme, mas achei o roteiro tímido, uma vez que acredito ser o Olavo bem maior do que o retratado. Acredito ver no Olavo o filosofar enfatizado por Heidegger (que Olavo confessa não gostar) em suas obras, que faz uma ponte entre o pensamento filosófico analítico e a situação que vivemos, a Filosofia da Crise como diria MFS. Enfim, o filme deixa o gosto de quero mais.

  • A melhor crítica que li até agora. Parabéns pela honestidade (que nem se deveria agradecer mas no Brasil de hoje é raro)

  • A universidade americana citada não criticou o filme ou fez boicote, o filme foi inicialmente exibido lá.

    Vamos fazer uma pesquisa melhor antes de postar.

    Quanto a chatice que as vezes perdura, não sei qual é pior, Bial ou Olavo, rs

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