Um drama sobre palavras
Por Pedro Guedes
“O Gênio e o Louco” conta a história da criação do Dicionário de Oxford. À primeira vista, esta pode não ser a mais interessante das premissas – em compensação, quando constatamos que o material inclui milhões de palavras, que foram necessários mais de trinta anos para que finalmente fosse concluído e que o resultado dificilmente seria o mesmo se não fosse a amizade entre um professor poliglota e um médico que enlouqueceu na cadeia, podemos concordar que havia um imenso potencial por trás deste filme. Infelizmente, o diretor e co-roteirista P.B Shemran não foi particularmente feliz em suas escolhas narrativas, dando prioridade aos momentos menos instigantes da história, tratando os detalhes mais promissores da trama de maneira superficial e demorando em apresentar a amizade entre os dois personagens-título.
Escrito por Shemran e por Todd Komarnicki a partir do resumo feito por Simon Winchester no livro “The Surgeon of Crowthorne: A Tale of Murder, Madness and the Love of Words”, o longa se passa no século 19 e gira em torno de dois homens: o primeiro é James Murray, um professor que conhece fartamente um monte de idiomas e é convocado para produzir o Dicionário de Oxford, que conterá uma quantidade inacreditável de palavras, frases e informações; o segundo é William Chester Minor, um médico que vai para a prisão depois de assassinar um pai de família e que também carrega um conhecimento linguístico importante. Assim, os dois resolvem unir seus conhecimentos para finalmente criar o dicionário.
Dirigido por P.B. Sherman sem qualquer traço de sutileza, “O Gênio e o Louco” é daqueles filmes que enxergam seus protagonistas através de uma visão particularmente brega, com direito a travellings que se aproximam dos rostos dos atores sempre que seus personagens dizem algo “inspirador” ou “emocionante” – e quando Murray termina de resumir seus conhecimentos linguísticos, depois de passar uns dois minutos falando sem parar, o colega interpretado por Steve Coogan exibe um olhar fascinado que deveria soar como uma piadinha. O senso de humor, diga-se de passagem, é sempre inofensivo e careta demais para provocar o riso no espectador, o que só não incomoda tanto quanto o nível de obviedade presente nas passagens mais dramáticas (e que é correspondido pelo trabalho do compositor Bear McCreary, que faz questão de mastigar todas as cenas para o público). Para piorar, os diálogos são frequentemente ilustrados a partir de cortes excessivos e planos que registram uma única ação através de ângulos diferentes, o que poderia funcionar em uma sequência mais movimentada, mas que não faz sentido quando o que está sendo enfocado é uma mera conversa (o que também é culpa da montagem de Dino Jonsater).
Mas verdade seja dita: o trabalho de Shemran faz jus ao roteiro que ele mesmo escreveu ao lado de Todd Komarnicki, que constrói os personagens de maneira artificial e os encara não como seres humanos tangíveis, mas como ícones – e até mesmo as falhas de Murray ou Minor são tratadas de forma encenada e esquemática demais, impedindo que o espectador se importe devidamente com o que está sendo mostrado. Além disso, a dinâmica entre os dois protagonistas é estabelecida de maneira desastrosa: passando mais de uma hora se concentrando no dia a dia de Murray e Minor, perdendo tempo com detalhes que pouco acrescentam à trama em si e ao desenvolvimento dos personagens, o filme demora a fazer com que a dupla finalmente contracene e começa a dar alguma importância à relação entre os dois quando já é tarde demais – e isto faz a interação entre os indivíduos soar apressada, não sendo surpresa que eles passem a se considerar amigos logo após se conhecerem. De qualquer forma, não há nada que se iguale ao constrangimento gerado por algumas frases de efeito tolas e dispensáveis (“Eu cheguei ao fim do mundo sob as asas das palavras”, diz Minor ao ressaltar a importância da leitura).
Dito isso, Sean Penn e Mel Gibson fazem um verdadeiro milagre ao impedirem que seus personagens sucumbam às caricaturas elaboradas pelo roteiro, conferindo credibilidade até mesmo aos diálogos artificiais e às frases pavorosas. Penn, diga-se de passagem, se sai muitíssimo bem ao encarnar todas as instabilidades que se passam dentro da cabeça de Minor, oscilando entre explosões pontuais de desespero e momentos em que sua voz se mantém estranhamente calma – e a trajetória do médico, que vai perdendo a sanidade de forma gradual, é retratada com eficácia pelo (brilhante) ator. Já Gibson compõe Murray como um sujeito erudito (ele próprio diz isso em dado momento), preocupado diante das tarefas que ele pode ou não cumprir e dono de um conhecimento realmente impressionante – embora seu sotaque tenha me parecido forçado em alguns instantes.
Eficaz em seus figurinos e em seu design de produção, que recria razoavelmente bem o estilo e a atmosfera da Inglaterra do século 19 (mesmo que as limitações orçamentárias impeçam o filme de mostrar essa recriação histórica), “O Gênio e o Louco” poderia ser bem mais interessante se contasse com um roteiro um pouco mais provocativo e com uma direção um pouco menos óbvia. Do jeito como está, não chega a ser um erro total, porém não faz jus aos bons desempenhos de Sean Penn e Mel Gibson.
2 Comentários para "Crítica: O Gênio e O Louco"
Muito boa sua crítica. Sou leiga e fiquei incomodada com o filme embora não encontrasse as palavras para descrever meu incômodo. E você fez isso de forma exemplar.
Muito obrigado, Claudia! 🙂