Trágicas comédias com vilões e um herói que merecemos
Por Fabricio Duque
A arte poética de Aristoteles diferenciou a comédia da tragédia. De um lado, pessoas comuns. Do outro, homens superiores. A importância deste gênero, que possui na essência gerar o riso, era uma possibilidade mais democrática de sátira a todo tipo de ideia, inicialmente política. E é exatamente assim que “O Candidato Honesto 2” conduz seu público: a uma paródia ao mundo atual dos políticos enquanto forma de manifestação crítica.
A estrutura já é conhecida, e se apresenta como uma receita de bolo que encontrou a “fórmula do sucesso” do “Tostines vende mais porque é fresquinho, ou é fresquinho porque vende mais”. à moda de um “Todo Mundo Em Pânico” com filmes de Adam Sandler e principalmente Jim Carrey em “O Mentiroso”.
Aqui é utilizado uma linguagem que dialoga de igual a igual com o popular, com humor pastelão, desengonçado, infantilizado, fisiológico-escatológico (peido e cocô), altamente sexualizado (“saudade da cadeia” ao passar por um fálico detector de metais), “carreteiro”, e com a caricatura de caras e bocas em situações fora de controle que beiram o surreal.
“O Candidato Honesto 2” é a continuação da história homônima, que também foi dirigida por Roberto Santucci e roteirizado por Paulo Cursino, sobre o candidato que sempre diz a verdade, quase uma fábula social do escritor português José Saramago, em que nada e ou ninguém é salvo e ou suavizado, inclusive de forma metafórica e metafísica com o próprio protagonista, interpretado pelo ator “clown” Leandro Hassum que perdeu “oitenta quilos” e uma “prega rainha”, e está magro, seco, sarado e “perdeu a graça”.
Até mesmo com a “Globo”. Com a Dilma. Com o Michel Temer e a comparação com o vampiro (um que de Conde Drácula). Com o Bolsonaro (“o primeiro nas pesquisas”). Com o Sérgio Moro (explícito pelo depoimento do Lava Jato e o “Sítio em Petrópolis”). “Traição é ser honesto na política”, diz a “máquina partidária”.
Podemos definir o longa-metragem como uma paródia política de consumo de massa, que fornece ao povo a diversão, com questionamentos sociais embutidos, ora com posições subliminares, ora com escancarada explicitação das ideias, ora com forçados discursos inflamados e clichês, ora com paranoia de perseguição (o medo de retorno à prisão).
Apesar de seu contexto propositalmente de entretenimento e diversão garantida (uma forma de desligar o cérebro de quem assiste com ofertas do riso solto), esta é uma obra que brinca com coisa séria, transcendendo com afetadas e afiadas picardias por todos os lados.
É também um otimista exemplar pátria, que pega carona em uma viagem a uma utopia que nós já sabemos que não acontecerá. Mas mesmo assim nossa ingenuidade acredita que “o povo unido jamais será vencido”, sem esquecer que não há união, tampouco solidariedade. “Farinha pouca, meu pirão primeiro” é nossa máxima popular. “Esquema, propina, maracutaia. Todos se auto enganam”.
Após cumprir quatro dos quatrocentos anos de cadeia, João Ernesto (Leandro Hassum) é convencido a se candidatar à presidência novamente. Adorado pelo povo por ser um político que assumiu seus erros, ele vence as eleições, mas não tem vida fácil em Brasília acompanhado excessivamente de perto pelo sinistro vice “vampiro” Ivan Pires (Cassio Pandolfh). “Brasil está acabando, virando uma terra de ninguém”, lamenta-se. “País uma piada”, outro comentário.
“O Candidato Honesto 2” vai além da graça ao inserir “verdades”, transformando nosso conhecido meio: a revista Veja muda para Seja; o programa Roda Viva vira Roda Livre (com a presença de Leda Nagle na bancada); Corta Capital alude Carta Capital. João Ernesto (o “Filho do Brasil”) pode ser o Lula ou o Maluf (“o corrupto que vem de baixo”, que “rouba mas faz”). E ou até mesmo Donald Trump (identificado por causa do cabelo loiro e do hino nacional dos Estados Unidos – “pode falar tudo e não acontece nada”).
“Política e honestidade não combinam. Só tem ladrão. Não sobra um”, enaltece-se, dizendo sem limites o que cada brasileiro prende na garganta. Com vinho “caro” de rosca e não de rolha. Tudo é exagerado. Cada detalhe é potencializado com uma lente de aumento para definir fisicamente particularidades, como a mulher com grandes dentes à mostra (um indicativo a Dilma Rousseff, que diz “Abre o olho e cuidado com o Vice”). “Ri como ópera, não como Maracanã”.
“O Candidato Honesto 2” objetiva propositalmente ser um circo de horrores, enaltecer o tom surreal e estridente. Com balé vitória “Imperador do Brasil” na sala presidencial recriando a cena icônica de Charles Chaplin em “O Grande Ditador” e seu Globo Terrestre nas mãos e no ar. É uma mistura de “Dave – Presidente Por um Dia”, de Ivan Reitman, com Renato Aragão.
Eis que entra em cena a representação máxima da diversidade e tolerância: uma mulher, negra, lésbica, anã. Não, não há limites. Como foi dito, vai além. Sim, apesar de todos serem bombardeados com piadas, é o Temer que vence com o maior números de ofensas, entre alho, cruz de madeira, frases de que o atual presidente “pós-golpe” “Não vendeu a alma ao Diabo e sim foi o diabo vendeu a ele” e de que “Partido é uma empresa”.
É um longa-metragem que aborda tudo, como um capítulo de um seriado “South Park” com “Porky’s”: políticos idiotas e “Cocoon” (com 101 anos de idade, vivendo sob aparelhos), povo idiota e esquecido “que vota em corrupto”, deputado Palhaço Pororoca. “Não tente ser maior que você é”, “impossível mudar”, frases estas que resumem os brasileiros. Pois é, cada povo tem o governo que merece (por escolher errado e se preocupar mais com samba, suor e cerveja). E torce sem saber que quer o Impeachment alheio.