A hermética insustentabilidade da histeria
Por Fabricio Duque
É mais que permitido à arte cinematográfica a experimentação de novas narrativas, gêneros e formatos. Explorar novos caminhos e galgar novas alturas, uma forma de crescimento. As tentativas e erros são artifícios e consequências ao acertar. Mas se uma obra apenas repetir padronizações confortáveis em busca somente do sucesso financeiro, então a análise muda completamente, e assim há um preguiçoso e manipulador oportunismo.
“Mulheres Alteradas” caminha na linha tênue de ser um filme de referências com molho abrasileirado e de ser uma corroboração de uma estrutura já desgastada (palatável a um público médio que vai ao cinema para dizer que foi e ou postar um evento cultural e ou sair para namorar e ou para assistir a uma extensão de uma novela com diferentes ares por estar na tela grande).
Dirigido pelo estreante Luis Pinheiro, o longa-metragem, exibido no Festival Cine PE 2018 como o filme de abertura, é uma colagem dos filmes de gênero de comédia romântica, que se desenvolvem por situações histéricas, absurdas, desengonçadas e constrangedoras, todas buscando a redenção, o amor, a felicidade, o descanso da rotina, a liberdade e uma volta por cima. Nós espectadores somos embrenhados em tramas parecidas de inúmeros seriados, como “Sexo e a Cidade” (clássico dos anos dois mil – incluindo as três versões fílmicas), e de inúmeros filmes com Adam Sandler e até alguns de nosso cinema, como “Avassaladoras”, de Mara Mourão; “Sexo, Amor e Traição”, de Jorge Fernando, este que por sua vez foi baseado em “Sexo, Pudor e Lágrimas”, de Antonio Serrano. E ou aqueles inúmeros exemplos de pessoas que “trocam suas vidas por outras”. Neste, uma de mãe por uma balada-festa.
“Mulheres Alteradas”, baseado nos quadrinhos da cartunista argentina Maitena, é um filme sobre superação e sobre aceitar o que já se é. O cotidiano de quatro mulheres, cada uma enfrentando problemas bem particulares: Keka (Deborah Secco) enfrenta uma crise no casamento com Dudu (Sérgio Guizé), Marinati (Alessandra Negrini) é uma workaholic que repentinamente se apaixona por Christian (Daniel Boaventura), Leandra (Maria Casadevall) sente-se bastante insegura pelo fato de ainda não ter constituído família e Sônia (Monica Iozzi) está cansada da rotina doméstica e sonha com a época em que era solteira.
Com a frase “Alterada não é uma louca, é uma mulher que está mudando”, o filme é iniciado, e desde sua primeira cena já se assume como despretensioso e recheado de surtado, urgente e imediatista humor pastelão. E se integrando em mais um que usa a trilha-sonora de Johnny Hooker.
Intercalando histórias e personagens em núcleos corais, o roteiro almeja a ranzinza piada-referência (de incômodo “hater”) à realidade (“Eco Pousada? Caro porque tudo vem da natureza”). Essas mulheres precisam descobrir seus valores e suas únicas habilidades. Apoderar-se em união e “acordar” o insight de que podem existir sozinhas, não mais à sombra dos homens (maridos mimados e o “insuportável peso do homem doente manhoso”). Entregando-se à diversão sem hora de acabar. Cada uma aproveita “oportunidades e possibilidades” com um machismo invertido pelo clube da “Luluzinha”.
É um manifesto de feminina libertação feminista, que deturpa as próprias intrínsecas características dominantes do novo conceito, expandindo-se assim as possibilidades à infinitude e ao não rótulo. Com seus “projetos Narcisa”, chuveirinhos do prazer, “barca viking”, vômitos, decepções, câmeras subjetivas, bebedeiras, “prisão domiciliar”, suas “blindagens”, suas “crises luxo”, tudo tem um nível acima e fora de tom. É forçado demais. Afetado demais. Arrogante demais. Com gatilhos comuns demais. Clichês demais. Ajudado demais pelos roteiristas “facilitadores”.
“Mulheres Alteradas” nivela sua narrativa pelas verborrágicas histerias das tentativas-perspectivas. Por um absurdo videoclipe. Em que interpretações estão estereotipadas mais parecendo lidas e de cunho teatralmente caseiro. “Viajar junto não salva o casamento”, ensina-se, complementando as seis “coisas que o ex causa”: “Rancor, pena, ódio, alívio, impotência e arrependimento”. O filme também busca outro humor: retrógrado, desconfortável e preconceituoso (“100% de nada: 50% gays, 30% casados e 20% caseiros”).
São nervosas e competitivas mulheres (“bagaceiras doidas”) no auge de seus limites (quase na entrada da loucura), que ao “menor toque, já causa um incêndio”. E se apaixonar é a “maior desgraça”, por causa de seus “sorrisos idiotas”. Quando o espectador aceita a cumplicidade do acreditar no filme, vem uma das explícitas cenas-propaganda com o produto Pomarola; agregado com cocos “restauradores de cérebro” e catarses finais felizes. Concluindo, um filme que pede muita pipoca. Muita.