Curta Paranagua 2024

Crítica: Minha Amiga do Parque

Sobre a disfuncional arte de ser mãe

Por Fabricio Duque


Há filmes que escolhem a utilização de sutilezas não explícitas para traduzir uma narrativa de sensibilidade-existencialista. “Minha Amiga do Parque” é um deles, buscando assim elipses de curtos períodos conectados, com seus tempos contemplativos e esperas silenciosas. Dirigido por Ana Katz (de “Uma Noiva Errante”), que também integra o elenco como a personagem Rosa, a amiga do Parque de Liz, o longa-metragem conduz-se pela inferência. O espectador é convidado a participar e a montar as peças deste quebra-cabeça emocional.

“Minha Amiga do Parque” inicia-se com um detalhamento do ambiente, cujo cenário principal é o parque. Após uma fotografia preâmbulo de bucolismo nostálgico (de tempo parado) com raios solares nas árvores, somos apresentados à protagonista em tom fantasia de um conto de fadas: uma mãe super-protetora passeando com seu bebê, mas visivelmente sem a prática do “instinto maternal”. A narrativa imprime a estética do cinema direto, de aproveitar o que acontece ao redor.

Aos poucos, o público conhece as fragilidades desta mãe perdida, inapta, que não possui leite para amamentar, que chora no banho por sentir que a pressão do cuidar está demais, que coloca sal demais na comida e que “reclama de barriga cheia”, contratando alguém para “ajudar na organização da casa”. É como uma “galinha que defende seu pintinho”.

Liz embarca nos problemas sociais, reais, nus e crus destes trabalhadores necessitados, e de sem perceber compara com sua vida estruturada e sem “sal”. Ela talvez busca transformar seu tédio em experiências-desventuras, “acordando” problemas e ações para se sentir viva e ocupada. E assim embasando as postergações profissionais de escrever romances.

Liz (a atriz Julieta Zylberberg) é uma mãe de primeira viagem que está cuidando sozinha do filho enquanto o marido viaja à trabalho para realizar um documentário em um vulcão. Ela começa a frequentar uma pracinha (à moda do filme “Ninguém Está Olhando”, de Julia Solomonoff), lugar típico de mães e pais, e lá conhece Rosa (a atriz, e também diretora, Ana Katz), com quem estabelece ligação imediata. Logo elas trocam confissões, apoiam uma a outra e até passam por pequenas aventuras.

No entanto, quando as mentiras de Rosa se revelam (incluindo beber cerveja às onze horas da manhã para “ficar calma”), seus pedidos ficam cada vez mais esquisitos e suas ações imprevisíveis (pequenos calotes, troca de casacos), Liz percebe que não sabe com quem está lidando. Cada uma sobrevive como pode. As irmãs R. (más influências) com pequenos trambiques já entranhados destituídos de parâmetros do certo e do errado. E cada vez desfere mais o lado defensivo (e frágil), sofrendo uma bipolaridade de emoções à flor da pele.

“Minha Amiga do Parque” é sobre dúvidas, escolhas, medos e incompatibilidades. “A importância é o vínculo”, diz o médico com o cirúrgico sarcasmo direto argentino, e complementa: “Frio? Senão as crianças da Patagônia não sairiam de casa. Seu filho que experimentar novas sensações”. É a metáfora de uma mãe com medo de errar. Que está em tédio, vulnerável, carente, sobrecarregada, submissa por um pouco de atenção (a ponto de se transformar em Cristo salvadora) e com uma inocente e urgente solidão que aceita tudo e qualquer coisa, ainda que confiando, desconfiando. Liz “merece” os inconsequentes infortúnios.

Contudo, o longa-metragem não consegue traduzir o paralelismo simbólico das pontes existencialistas. Desta forma, o roteiro perde-se nos infantilizados gatilhos comuns de sua própria condução estranha, perdida, inóspita, vazia, ingênua, desengonçada, fora de tom, estabanada e de fragilidades formais, quando deseja o tudo, esquecendo-se de que o “menos é sempre mais” (as “situações péssimas”, a “limpeza profunda”, o olho julgador com pena do outro, o abuso da boa vontade, o confronto, as reuniões sobre pais gays, as fofocas).

É um filme que se adjetiva pretensioso, ególatra e previsível, que não se define claramente com seus detalhes fora do eixo. Foi exibido na mostra “Histórias extraordinárias: cinema argentino contemporâneo”, realizada na Caixa Cultural do Rio de Janeiro. E Prêmio de Melhor Roteiro na categoria de filmes não realizados nos Estados Unidos no Festival de Sundance 2016.

2 Nota do Crítico 5 1

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