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Crítica: Lion -Uma Jornada Para Casa

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Quem Quer ser um Leão?

Por Fabricio Duque

É inegável a semelhança de “Lion – Uma Jornada Para Casa”, indicado ao Oscar 2017, incluindo Melhor Filme, com a estética independente de “Quem Quer ser um Milionário?”, de Danny Boyle (que apresenta o ator Dev Patel aos olhos hollywoodianos do “mundo”) com “Indomável Sonhadora”, de Benh Zeitlin, e com “As Aventuras de Pi”, de Ang Lee, referências estas que também foram indicadas a prêmios da Academia. O filme em questão aqui pode ser traduzido como uma “cota indiana”, por trazer tudo que os votantes da “festa”mais conhecida do cinema gostam: criança perdida e separada de sua família que vivencia uma épica jornada de retorno a sua casa natal para reencontrar os irmãos e a mãe (que nunca parou de procurá-lo). Dev Patel interpreta aqui o protagonista na segunda fase do filme, e que por isto recebeu a indicação a Melhor Ator Coadjuvante, que pode ser configurado como um ledo engano, tudo porque o ator-mirim Sunny Pawar, que dá vida e suor ao pequeno Saroo, está irretocável, contido e no tom afiado e certeiro e merecia pelo menos uma indicação a Melhor Ator.

“Lion – Uma Jornada Para Casa”, que tem sua narrativa por fades como passagens próximas temporais, como já foi dito, é um filme separado por dois momentos e dois protagonistas em épocas diferentes. A primeira parte, em 1986, ambienta a história e de forma quase imediata já apresenta o conflito, desenvolvendo assim sua jornada, que acontece pela Teoria do Caos do Universo. Por uma ação, um momento, um desencontro, tudo muda e é posto à prova-provação, iniciando-se a aventura de uma vida. Nós somos inseridos nesta sinestesia do acaso. Uma criança solitária e perdida em um trem sem rumo com sutis pinçadas sentimentais, criadas pela narrativa, ingênuas sim, mas respeitosas em seu contexto, complementadas pela música à moda de “Central do Brasil”, de Walter Salles.

O longa-metragem também pode ser traduzido como uma crítica antropológica social. Baseado no livro “A Long Way Home”, do próprio Saroo Brierly, que também assina o roteiro deste filme, este pequeno “conhece” a individualidade egoísta dos outros. Os que podem não o ajudam. O drama é pertinente e necessário. A câmera subjetiva nos transforma em uma criança. A incrível mise-en-scène, como a visão de uma estação de trem e seus intermináveis passantes de Calcutta, 1600 km de Khandwa. Sem dinheiro, sem comida e com o descaso dos outros, que enxergam como mais um pedinte, o “leão” Saroo aprende a primeira lição da vida: a não solidariedade. Talvez ele precise roubar para comer, e reiterar pequenos “crimes” de seu ultra próximo passado. A fotografia é saturada a um contraste escurecido como efeito para potencializar a realidade empobrecida do lugar. Ele aprende a perspicácia em se virar, conjugando submissão, desconfiança, entrega, silêncio e a intuição da fuga, mesmo quando acalento sossego momentâneo é “ofertado” por outros em condições semelhantes. Para logo ser despertado de volta à realidade por seres humanos cruéis e hostis. Uma aula de humanidade existencial.

Saroo encara de frente uma luta pela sobrevivência. Os perigos. A pobreza de uma cidade em estado terminal com seus moradores de rua sem história e de passado desinteressante por outros interessados nos próprios interesses. Ele passa pela cultura, pelos costumes e assiste quieto e apaticamente surpreso um novo mundo que se abre sobre sua nova vida. É o acaso o conduzindo sem controle e sem livre arbítrio. Ele precisa do aprendizado rápido, sagaz, defensivo, protetor, desconfiado e humano. Tudo por “recorrentes cargas elétricas” imediatistas. Por já conhecer a fome de seu lugar de origem (e sem o Jalebi, “doce comemorativo da Índia”), não se importa e incomoda tanto. Aguenta mais os instantes de fome. Encontra pobres ajudando pobres. “Rama, mas não o Deus”. Ela, uma “salvadora”, que tem uma vida um pouco melhor fazendo quentinhas, ouve que o garoto ajuda a mãe a carregar rochas. Se compadece e apresenta a ele o refrigerante. Ele vê que toda essa ajuda tenha um preço.

Saroo é “jogado” como uma bola. Sem saber do lugarejo de origem, sem saber o nome da mãe, só sabendo falar a língua Hindi, é mandado a outro lugar: um orfanato prisão de crianças perdidas. Inevitável não referenciarmos aos filmes “O Menino e o Mundo”, de Alê Abreu. “O impossível”, de Juan Antonio Bayona. Nós, espectadores, torcemos, com todas as forças de nossas vontades para que nosso personagem mirim reencontre sua família pela carga dramática-sentimental naturalista que é vibrada da história. E mais uma vez ajudado por uma Assistente Social que o “coloca” no programa de adoção para uma família australiana, os “pais” vividos pelos atores Nicole Kidman (que prova competência absoluta, tanto que foi indicada a Melhor Atriz no Oscar 2017) ser uma está indicada e David Wenham. Mais um capítulo de sua vida muda, até o meio de transporte. A amizade que fica e a metáfora do pássaro livre que se segue. Tudo é novo.

Na segunda metade, uma hora depois, o período temporal é inserido, vinte anos depois. E o ator Dev Patel assume a fase adulta de Saroo. Sem deixar de “abraçar todas as oportunidades”, novos capítulos são desenvolvidos, como a Hotelaria. Mas ele optou, até por ser muito novo, em não lembrar mais de ser um indiano (“mas gosta de Críquete”). Quando conhece uma garota (a atriz Rooney Mara), o acaso de novo mostra as “asinhas” e o apresenta o romance dançante “bollywood”. Daí é só questão de tempo para revisitar seu passado adormecido pelo Google Earth.

E assim, “Lion – Uma Jornada Para Casa” perde seu tom (talvez pela passionalidade-pessoal empregada no livro), e descamba a um excesso sentimental (mas esperado pelo público) de referências projetadas a possíveis lembranças-memórias para poder “resolver os caminhos obstruídos” de “sua alma que estava em um estágio tão profundo quanto o oceano”, complementados por músicas que conjugam pop com o indiano (“Urvashi urvashi” do filme “Kadhalan”) de Lata Mangeshkar; Salma Agha; Blue; Enigma; e pelo tema principal da cantora Sia em “Never Give Up”.  O filme é baseado em uma história verídica, e no fim, seus personagens reais são apresentados por fotos e por reencontros. Outro objetivado do filme, de potência humanitária, é ajudar a “encontrar crianças perdidas na Índia”, que “a cada ano são mais de oitenta mil desaparecidas”, campanha pelo site lionmovie.com. E, concluindo, é um longa-metragem que reverbera o discurso dos direitos humanos do povo indiano.

3 Nota do Crítico 5 1

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