No limiar dos desejos enigmáticos
Por Francisco Carbone
Durante a Mostra de Cinema de Tiradentes 2017
O diretor Frederico Machado (de “O Signo das Tetas”) de fato tem uma sensibilidade única, reside num lugar peculiar dentro da nossa filmografia hoje e infelizmente é pouco conhecido. Seus filmes flertam com a ousadia dentro de narrativas geralmente desconstruídas e herméticas, que sugerem e propõem muito mais que revelam; como alguém verdadeiramente em busca do desconhecido e da tentativa, Machado aponta para lugares do silêncio e da expressividade de seus atores para chegar próximo ao que quer, e a certeza dele é a nossa dúvida. Machado hoje ocupa um lugar das pessoas que não estão quietas ou satisfeitas, então seu cinema é um lugar de indagação muito bem-vindo.
A trama de “Lamparina da Aurora”, filme maranhense de “guerrilha” (que “faz uma ação educativa próxima a do Teatro Piollin do ator Buda Lira), integrante da vigésima edição da Mostra de Cinema de Tiradentes 2017, na Sessão Olhos Livres (e que foi o filme vencedor do Prêmio Carlos Reichenbach pelo Júri Jovem), uma fábula existencial sobre o tempo, o corpo e a natureza, um casal de idosos que recebe a visita de um jovem misterioso, todas as noites na fazenda abandonada em que passaram a viver, desenvolve-se a partir do casal maduro presos numa casa. Pois bem, presos é uma forma metafórica pra lidar com a situação-limite que o roteiro nos apresenta: em determinado momento uma visita chega à casa, um homem mais jovem que obviamente irá desestabilizar cada vez mais aquelas duas pessoas, até a revelação das suas verdades. Mesmo que ainda nada fácil, Machado dessa vez elabora melhor o jogo sobre a qual se debruça, com pistas sutis que são dadas no decorrer da obra, nunca menos que sedutora e envolvente.
De ficha técnica beirando a perfeição, o filme impacta com sua fotografia bruxuleante e sua atmosfera repleta de estranheza e falta de comunicação, que é determinante para nos manter no escuro de acordo com os desígnios do autor. Trilha sonora e montagem também dizem muito a que veio, num filme que parece muito interessado em programar um debate a respeito de sua atmosfera de vingança, submissão e redenção, que se encaminha sempre a saídas tortuosas e intranquilas, movendo não somente a narrativa como seus personagens em direção ao embate entre os três em cena, que irão desenrolar o novelo de um filme tão bonito quanto repleto de enigmas e símbolos, que caberá a cada espectador embarcar e se propor a desvendar.
“Lamparina da Aurora” foi “produzido com baixo orçamento, sem recursos públicos”, e o prêmio foi recebido como uma boa surpresa. “É um trabalho muito artístico, porque a narração do filme é toda poética, toda baseada em cenas de poesias de um grande escritor maranhense, o Nauro Machado (que já trabalhou em “O Signo das Tetas”, seu filme anterior). É um filme de gênero, um suspense. Um prêmio desse dá a possibilidade do filme ser mais falado e ser visto no cinema e em outros festivais”.