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Crítica: João de Deus – O Silêncio é Uma Prece

Ruídos demais e pouco silêncio

Por Fabricio Duque

Direto do Festival do Rio 2017


Ao se analisar um exemplar do gênero documentário, precisamos considerar sempre sua essência: a de transmitir sua mensagem que é na maioria das vezes subjetiva e lógica em defender uma ideia, ideologia e um caminho. “João de Deus – O Silêncio é Uma Prece” é um deles quando se embrenha na intimidade do médium João Teixeira de Faria. Esta pode sim ser conduzida como uma sincretista obra religiosa (por sua crença absoluta na fé, sentimento incondicional que faz “remover montanhas” e acalentar a alma dos sôfregos seres humanos).

Mas é acima de tudo um documento antropólogo de curioso conhecimento popular. Tudo por causa de sua polêmica em transgredir nossos limites céticos. Seu curador espírita, filantropo e fazendeiro, escolhido por Deus, opera fisicamente seus fiéis e crentes pela técnica cirúrgica dos médicos mortais. Os que não acreditam sentem-se desconfortáveis. E até mesmo aqueles que respeitam são interagidos a um mesmo incômodo sentimento. Pensamos “Como um homem pode fazer isso? Ser tão visceral e confiante?”.

O filme, exibido no Festival do Rio 2017, reuniu em sua exibição de estreia muitos famosos na mídia televisiva brasileira que já participaram das sessões destas operações espirituais. Seu diretor Candé Salles (de “Para Sempre Caio F.”) disse na apresentação que “levou cinco anos filmando” e “que o grande desafio foi trafegar com a câmera sem atrapalhar o processo do Universo de Abadiânia”. “Entender o silêncio e mostrar a verdade”, diz e complementa “É um filme de amor”.

“João de Deus – O Silêncio é Uma Prece” busca embalar seu espectador pela narração naturalista-emocional da atriz-apresentadora Cissa Guimarães. É um adjetivado estudo de caso dos porquês, causas e características principais de seu homenageado que atende o público na Casa de Don Inácio em Goiás, na região Centro-Oeste, no coração do Brasil. Melhor metáfora impossível para descrever a “energia do torpor, de amor e respeito, que ensina a tolerância”, que teve a visita ilustre da artista plástica sérvia Marina Abramović.

A história do famoso médium João de Deus desde sua infância paupérrima no interior de Goiás até o presente momento, onde ele incorpora médicos e parece ter adquirido poderes curativos. Ademais, o documentário também relata a descoberta do dom paranormal e narra o bullying que o médium sofreu daqueles que duvidavam de sua sensibilidade.

O documentário também objetiva despertar o lado sensorial de cada um de nós, tentando estimular nosso transe cúmplice pela natureza, pela luz, pelo silêncio. Somos embrenhados na pureza mais primitiva, no instinto mais libertador, na possibilidade mais possível. A câmera passeia com ritmo e cadência e desta forma confronta nossos limites do aceitável, tornando-nos personagens em prévias observações.

Ao mesmo tempo, que o filme nos aproxima, nós também vivenciamos a distância. É nesta corda bamba de contraditórios sentimentos que perpassamos a experiência vivida em doses cavalares, diretas e não suavizadas dos procedimentos cirúrgicos. “O silêncio cura. É a gentileza da gratidão harmonizando o desequilíbrio”, diz sem desacreditar no poder dos médicos, informando para que os pacientes “não abandonem a medicina tradicional”.

Outro ponto é sobre seus voluntários, que demonstram felicidade por fazerem parte da ajuda. Uns podem perceber manipulação, oportunismo e charlatanismo de uma seita. Outros enxergam um futuro e a cura salvadora. Quem está certo? Quem pode afirmar que esta ação cura ou não cura? A pergunta retórica talvez possa ser respondida pela própria ciência médica que argumenta com mais conclusivas provas que o cérebro é uma caixa de surpresas e que toda dor tem aqui seu início. O filme quer expor “um menino que desde os oito anos mostra a verdade ao mundo”, entre chimarrão; tempos ociosos na fazenda; continuadas micro-ações cotidianas; conversa com Chico Xavier; trajetos dirigidos; depoimentos de fiéis curados; música típica sertaneja; e as “entidades religiosas”.

“Aqui não se cura doenças, mas as causas das doenças”, diz. “A cura é quântica”, complementa. Quanto mais assistimos, mais nos damos conta que o discurso é técnico, pronto, desenhado à padronização de um efeito feedback propaganda em prol do homenageado, que usa seu “corpo como um veículo”. Isto não é um empecilho, e sim uma percepção de propaganda. Da Alemanha a Roraima, passando pelos Estados Unidos, Noruega, Maranhão, Minas Gerais, Áustria, Irlanda, Bélgica, Holanda, Japão, entre outros, todos os visitantes (com suas histórias e “adversidades da vida”) buscam a salvação pela “ciência da meditação profunda” em intervenções coletivas, com lágrimas, emoção e dor. “A cura está dentro de você” diz, tendo a água como “anestesia”. “Depois do corte, a enfermidade vai descendo. Mas quem cura é Deus”, diz contando sua trajetória, amigos, lembranças.

O espectador em determinado momento acorda do próprio transe causado pelo filme. Como se a anestesia encerrasse sua inércia e assim observamos uma encenação da verdade. Tudo é mágico e politicamente fofo à câmera. A dose acaba. Despertamos. E sentimos participar sim de uma seita, tudo em nome de Deus, principalmente por potencializar uma emocional carga religiosa de cantar Maria. É um mundo celebridade. É um palco. Um show. Divino talvez, mas que busca a fama do resultado. A solução é aceitar ou não. Nem mesmo Cristo agradou a todos. Até mesmo seus irmãos judeus não vislumbraram seu poder. Sim, religião é um tema delicado. Quem está realmente certo? Em um dos esquetes de “Porta dos Fundos”, o Deus certo é polinésio. Em algumas igrejas evangélicas, o dinheiro é o mais poderoso. Tudo em prol de um lugar perfeito no céu. Lógico, há exceções, em tudo na vida. E nas nossas opiniões-achismos não poderia ser diferente. É inerente à condição humana a prepotência de que nossos caminhos são melhores e que sempre prevalecem entre os outros.

Não, desculpe. Mas não é assim. A tolerância em acreditar nisto ou aquilo é princípio essência do próprio criador. Então manifestações de sincretismo religioso são mais que possíveis, ainda que prefeitos não acreditem. Concluindo, João de Deus – O Silêncio é Uma Prece” é uma experiência única a cada um. E que deve ser respeitada sua crença. Ainda que por aqueles que não compactuam da mesma fé.

2 Nota do Crítico 5 1

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