Tudo sobre Jackie Por Natalie
Por Fabricio Duque
A máxima popular de que “atrás de um grande homem, sempre existe uma grande mulher” cai como uma luva no novo filme do diretor Pablo Larraín, “Jackie”, sobre a primeira dama dos Estados Unidos, Jacqueline (encarnado cirurgicamente pela atriz Natalie Portman), esposa do presidente John Fitzgerald Kennedy (considerado uma das grandes personalidades humanistas do século XX – e que não teve tempo de “acabar com o comunismo, tampouco com a segregação racial).
Durante seu governo houve a Invasão da Baía dos Porcos, a Crise dos mísseis de Cuba, a construção do Muro de Berlim, o início da Corrida espacial, a consolidação do Movimento dos Direitos Civis nos Estados Unidos e os primeiros eventos da Guerra do Vietnã.
A Sra. Kennedy viveu dois anos, dez meses e dois dias (de 20 de janeiro de 1961 a 22 novembro 1963), passando pela perda de dois filhos, e sofrendo a tragédia de estar ao lado no carro quando seu marido foi assassinado em desfile aberto em Dallas. E precisando manter o controle para continuar o “conto de fadas” televisivo do espetáculo americano. Dizem muitos que foi com esta morte que o mundo mudou e perdeu limites.
O filme, que tem produção do novaiorquino Darren Aronofsky (de “Cisne Negro” – que tem a atriz daqui como protagonista), cujo roteiro estava incluído na “Black List” de 2010, e que agora, está indicado ao Oscar 2017, é acima de tudo um concerto para “Jackie”, pela música de Mica Levi (de “Sob a Pele”) que conduz o espectador às camadas psicológicas sôfregas de sua personagem principal de suas memórias “mixadas com outras” (e que não “causam conforto” e sim uma desengonçada pessoal bagunça mental) fragmentadas e subjetivas (visto que é unicamente contada por sua perspectiva).
A narrativa intercala momentos a momentos (o documental das imagens de arquivo é reconstituído com a encenação ficcional), em elipses que vão e vem para construir a trama, não buscando ser palatável à percepção de seu espectador, ainda mais se pensarmos a responsabilidade do diretor em perpetuar cinematograficamente a biografia de uma das mulheres mais firmes da História americana.
Precisamos abrir um parênteses e falar sobre o diretor Pablo Narraín. Nascido em Santiago, no dia 19 de agosto de 1976, o cineasta chileno mostrou que realmente veio para ficar. Suas obras são irretocáveis e dotadas de excelência. E o mundo reconheceu. Seu quarto longa-metragem “No” foi indicado ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2013. E “O Clube” ao Globo de Ouro em 2015. Este ano, no Globo de Ouro 2017, Pablo transcendeu a si mesmo ao estar indicado com dois filmes em duas categorias: “Neruda”, ao prêmio de Melhor Filme Estrangeiro e “Jackie” (o longa-metragem em questão aqui), a Melhor Atriz para Natalie (que está grávida na vida real).
Precisamos abrir um outro parênteses e falar sobre a atriz Natalie Portman. Nascida em Israel, é judia e se tornou modelo aos dez anos. De lá para cá, dois anos depois com “Léon”, de Luc Besson, iniciou sua carreira e não parou mais. Recentemente dirigiu “De Amor e Trevas” sobre o drama de seu país natal. Ela caminhou por inúmeros gêneros, comédia ao drama. E em cada papel, imprime sutilezas e um carga emocional sem o medo de sair da ficção e retornar à realidade. Podemos perceber isto em “Jackie”, mesmo com toda responsabilidade esperada.
Independente da estrutura temporal-narrativa que potencializa o elemento dramático, mitigando assim a espontaneidade emocional inerente do tema (por tratar de um acontecimento icônico) e nos afastando do naturalismo, nós espectadores somos imersos em sua interpretação. Não vemos Natalie e sim a novaiorquina Jackie Kennedy (inclusive pela consequência da semelhança física não estimulada), esposa do trigésimo presidente dos Estados Unidos. “De alguma forma, Natalie faz você esquecer que está assisindo à Natalie. De alguma forma, ela consegue desaparecer no personagem”, diz Pablo Larraín.
“Jackie”, com roteiro do novaiorquino Noah Oppenheim (de “Maze Runner: Correr ou Morrer” e “A Série Divergente: Convergente” – vencendo nesta categoria o Festival de Cinema de Veneza 2016), como já foi dito, é um passeio único, nacionalista, limitado, particular e caseiro (com sua câmera próxima que se torna personagem) pelas memórias revisitadas e essencialmente subjetivas da Sra. Kennedy.
Abraçando a estética cult-independente de Pablo com a epifania cósmico-existencialista de Darren, o filme, em um perigoso limite tênue entre “pegadinhas” clichês sentimentais (reencenando a realidade – como o close do filho no desfile fúnebre) e a poesia visual (como a força da caminhada de Jackie, sem esquecer da confissão religiosa por um padre (o ator John Hurt – falecido recentemente – este seu último papel) confrontado pela crueldade de Deus (que “não está interessado em histórias, mas sim na verdade”), reverbera o “show” da vida de Jacqueline Bouvier Kennedy, e seu legado para ser lembrada a gerações futuras e entrar para a História (como as apresentações sobre a Casa Branca, o quarto “intacto” do presidente Abraham Lincoln).
Sim, Sra. Kennedy traçou sistematicamente pontuações para sua lembrança (e isto que o filme quer mostrar: não a morte democrata JFK e ou a posse do vice Lyndon B. Johnson, mas tudo converge à homenageada, com destaque para sua versão da história ao jornalista Theodore H. White, da revista “Life”), que aqui, implicitamente falando, é interpretada por uma atriz imigrante e dirigido por um diretor imigrante, mas rodeado por novaiorquinos e permeado pelo musical “Camelot”, na performance de Richard Burton. Jackie é Natalie. Natalie é Jackie.