Curta Paranagua 2024

It – A Coisa

O medo como sensação de pertencimento

Por Fabricio Duque

It – A Coisa

O mundo mudou. É fato. E continuará mudando, assim como aconteceu desde seu início. Cada época “supera” a outra em conhecimentos políticos e comportamentais. Cada indivíduo absorve transmutações sociais. Cada ser humano potencializa novos sentimentos: idiossincrasias sentidas, possibilidades ampliadas, liberdades experimentadas, lugares descobertos, medos despertados e até situações que antes eram surreais, tornam-se agora possíveis e acostumadas. O escritor Stephen King soube traduzir estas mudanças a suas obras. Sua característica principal é a de criar no espectador uma sensação de pertencimento do medo abordado. De participar com sinestesia aos sustos iminentes e inerentes do gênero de terror.

A confirmação de que o mundo de hoje está diferente do que o conhecíamos dá-se principalmente pela necessidade de se definir tudo e todos. O terror psicológico de “O Iluminado”, de Stanley Kubrick foi rebatizado com a nomenclatura de “Pós-Terror”, cunhado pelo jornalista Steve Rose, do jornal inglês “The Gardian”, que “agrada à crítica, mas não seu público” que vai ao cinema procurando encontrar sustos clichês, óbvios e padronizados de “terror de verdade”. “Você pode encontrar algo até mais assustador. Ou algo que nem assustador é. O que pode estar emergindo aqui é um subgênero”, esteve Steve em seu artigo polêmico, e rebatido com um “preconceito contra o gênero”.

O exemplo do momento é a refilmagem do clássico telefilme, “IT – Uma Obra-Prima do Medo”, de Tommy Lee Wallace, que trouxe a personagem icônica do Pennywise e que na época causou medo pela violência psicológica de “um caso verídico de um homem que se fantasiava de palhaço para assassinar crianças”. “It – A Coisa”, a versão de 2017, dirigida por Andrés Muschietti (de “Mama”), é o primeiro capítulo do livro homônimo de Stephen King, e desenvolve mais detalhes focando na parte juvenil.

Quando se diz que o mundo mudou, também podemos corroborar que o cinema seguiu o mesmo caminho, visto que é a representação da realidade. Se em “It” de 1990, ainda que com as limitações dos efeitos especiais, suas conversas reverberavam uma quimera mais existencialista, aqui, temos a alienação do comportamento, com comentários em tom de picardias sexuais, mais escatológicos e infantilizados (“punhetas”, “pintos nojentos”), apesar de seus personagens apresentarem-se mais adolescentes. Lá misturava-se “Conta Comigo” com “Goonies” com “Indiana Jones”. Agora, nós percebemos os gatilhos comuns padrões de estética seriado como “Stranger Things”.

“It – A Coisa”, pelo contrário, conserta os detalhes que o anterior deixou em aberto, explicando mais com mais didática visual. A crueldade sociopata (à moda de “Jogos Mortais”, de James Wan) do palhaço é potencializada ao sobrenatural, à ficção e à ilusão do existir. Ao colocar no campo da maldade diabólica (com luzes que piscam, quadros que caem, figuras que saem das pinturas), abraçando a estrutura de “Annabelle” e “Premonição”, por exemplo, o espectador sente o medo que não consegue fugir. É mais explícito no gênero com mais músicas condutoras de suspense. Há a condescendência “possuída” dos moradores (que lembra “Twin Peaks”, de David Lynch), a luz estética, a morte que não mata de imediato (e sim chama para “flutuar”) e o olho na escuridão (que infere sutilmente a “Tio Boonmee, que pode recordar suas vidas passadas”, de Apichatpong Weerasethakul. “A coisa se alimenta do povo”, diz-se sobre a “infecção ambulante”.

Outro ponto é o politicamente correto. Se questões eram mais abertamente abordadas, nesta temos “correções” (como só os meninos no túnel). Há o negro (que ouve do pai “você tem que escolher um lado: o de quem atira ou o de quem leva o tiro” – único com a arma), o judeu, a mulher, o gago (galã), o gordinho (apaixonado pela única garota “Please, Don’t go” e por “New Kids On The Block”), o nerd, o asmático. Aqui, enveredando pelos moldes de “Super8”, de J. J. Abrams, estes jovens são superiores a seus pais, extremamente rígidos. Busca-se também mais o artifício sentimental. E a câmera subjetiva. E mais o realismo do sangue e de braços devorados. E um Pennywise mais estiloso e mais “American Horror Story”. Porém, é mais dramático, mais manipulador e mais afetado também.

“It – A Coisa” aprofunda a história da velha cidade, pontuando tragédias do passado (como a explosão de uma fábrica em 1908) para assim embasar o porquê dos acontecimentos inexplicáveis. O roteiro caminha com a possibilidade da loucura e ou da imaginação do medo, até porque só os “meninos e a menina perdidos” podem ver e sentir os “machucados nos braços”.

A menina, integrante do “Clube dos Otários”, desejada por todos (que parecem “monstros” metafóricos), inclusive seu pai e que usa isso a seu favor no flerte o farmacêutico para um “pequeno” roubo, corta o cabelo (mais um cena clichê) para parecer mais como um “menino” (para aprofundar a amizade), uma auto-proteção, uma ausência para não sofrer consequências e que “humilha” os garotos (ganhando o apelido de “Molly Ringwald” – atriz de “Gatinhas e Gatões” e “Clube dos Cinco”, “A Garota de Rosa-Shocking”).

O filme, com uma aura de James Dean, tem uma sucessão de outros clichês, como a corrida para dentro da casa e não para fora, como o cabelo no ralo, como a referência à “O Iluminado” e a “Carrie, a Estranha”, como a urgência nos sustos, como o juramento com sangue. Digamos que para cada cena ruim, há uma alfinetada sarcástica. “Falar é dom”, diz-se. E a trilha-sonora de The Cure. E a guerra de pedras contra os “valentões” (tão livre e espontânea que até aceitamos sua ingenuidade). E o letreiro do cinema com “Batman” e “Lethal Weapon 2”. E a sessão caos e a revanche. “It – A Coisa” é um filme de altos e baixos, que condensa entretenimento com suspense.

3 Nota do Crítico 5 1

Conteúdo Adicional

Pix Vertentes do Cinema

Deixe uma resposta