Curta Paranagua 2024

Crítica: Irmã Dulce
“Não é um filme de
propaganda católica, é sobre uma mulher extraordinária. É claro que
esperamos que os cristãos gostem, tenham um interesse especial. Mas o filme foi
feito para todo mundo. Já conhecia a história de Irmã Dulce através da
imprensa, pois quando era garoto, nos anos 1980, ela era uma figura bastante
midiática. Resolvi fazer um filme realista – de ficção, mas realista. As
atrizes assistiam ao ensaio da outra, davam palpite, faziam juntas o trabalho
de cor e voz, dormiam juntas em um convento”, disse o diretor Vicente Amorim. 

Por Fabricio Duque

Já dizia o ditado que “não se
deve misturar alhos com bugalhos”. Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra
coisa, devendo-se respeitar particularidades da real essência de se ser. Alguns
filmes podem “desmistificar” conceitos intrínsecos, outros podem “adicionar”
vivências por licença poética e há àqueles que visam um retrato fiel do “personagem”
escolhido, principalmente se for icônico e de cunho religioso. Em “Irmã Dulce”,
o cineasta Vicente Amorim (de “Corações Sujos”, “Um Homem Bom”, “O Caminho das
Nuvens”), escolhe a terceira opção e preza pela fidedignidade histórica, atendo-se apenas aos fatos reais,
mas logicamente suavizando a trama com o gênero novela romanceada. Não é ruim.
É apenas uma vertente. Um direcionamento. Um caminho pretendido. Não se poderia
fugir desta estrutura ao contar a história da “beata e bem-aventurada Dulce dos
pobres”. Chamada também de “o anjo bom da Bahia”, Maria Rita de Sousa Brito
Lopes Pontes (seu nome de batismo) personificou o principal dogma da Igreja Católica:
ajudar servindo por obras de caridade e de assistência aos pobres e necessitados.
Foi indicada ao Prêmio Nobel da Paz no ano de 1988 pelo então presidente do Brasil, José Sarney, porém não ficou com o título. Em2011, foi beatificada pelo enviado especial do Papa Bento
XVI, Dom Geraldo Majella Agnelo, em Salvador, sendo a beatificação o último passo
antes da canonização. A cinebiografia, interpretada pelas atrizes Bianca
Comparato (excepcional) e Regina Braga (mais novelesca – sem interferir no
contexto), transpassa da década de 1940 aos anos 1980, o filme mostra como a
religiosa católica enfrentou uma doença respiratória incurável, o machismo, a
indiferença de políticos e até mesmo as regras da Igreja para dedicar sua vida
ao cuidado dos miseráveis – personificados na figura do filho “fictício” João
(Amaurih Oliveira) –, deixando um legado que perdura até hoje. É inevitável
não referenciar a “Mudança de Hábito”, de Emile Ardolino com Whoopi Goldberg,
por causa da temática semelhança: a humanização da Igreja. No americano, a “freira”
foi “obrigada”, aqui, a “vocação” foi espontânea e “influenciada” pela perda da
mãe (“se rezar passa?”). Como já foi dito, não se pode “fugir” das
características marcantes do gênero. Câmera lenta, flashbacks ora explicativos
ora reafirmadores, manipulação sentimental à emoção, condução tradicional da
trama, procura por um público mais familiar, reviravoltas fáceis, palatáveis e
com polêmicas dosadas no limite do aceitável. Nada é “duramente” criticado. Nem
ninguém. A parte técnica cumpre seu papel, transpondo estrutura televisa ao
cinema e se utilizando do classicismo visual a fim de não “movimentar” a
aceitação. Como se diz no popular: “é pá pum”. Outra “fuga” que o espectador
não consegue é se emocionar em algumas partes, devido à carga emocional de
realismo editado, mas aprofundado. Concluindo, um filme despretensioso que cumpre
o propósito de ser o que é: uma biografia clássica no cinema, porém fornecendo
menos artificialidade nos diálogos, como por exemplo, na parte da Bianca (rimos
– e muito – com a sutileza naturalista do roteiro, escrito por L.G. Bayão e
Anna Muylaert). Para ser visto com a família e em um bom momento de
estreia, visto as “ideias moderninhas” do novo Papa Francisco. E, por favor, “sem
pés atrás”. 

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