Faltou foco
Por Pedro Guedes
“Happy Hour – Verdades e Consequências” é daqueles filmes que até divertem moderadamente enquanto estão se desenrolando, mas que começam a empalidecer assim que as luzes do cinema se acendem e o espectador pensa com calma no que acabou de ver. Concebido a partir de uma co-produção entre Argentina e Brasil, o longa conta com atuações relativamente competentes que, somadas a uma ou outra ideia razoável que o roteiro apresenta, mantêm o público atento ao que está sendo mostrado – em contrapartida, a estrutura da narrativa e o excesso de situações que pouco têm a ver com o tema central acabam prejudicando o resultado como um todo, o que é uma pena.
Escrito por nada menos que quatro roteiristas (e tantos envolvidos numa única função costuma ser mau sinal), o filme começa mostrando o argentino Horácio se transformando em “herói” da zona sul do Rio de Janeiro após ajudar a prender – sem querer – o “Bandido-Aranha” que a polícia não conseguia capturar. A partir daí, o roteiro se concentra em Vera, a esposa de Horácio que ganha a vida como deputada e finalmente consegue se candidatar à prefeitura do Rio. Ao mesmo tempo, Horácio revela sentir desejos e atrações por outra mulher, o que põe seu casamento com Vera em risco – e os responsáveis por sua campanha também ficam paranóicos, pois uma traição ou o fim de uma relação dessas poderia prejudicar a imagem da candidata diante da população. Ah, enquanto isso, Vera ainda resolve aprontar uma vingança para cima de seu marido, buscando algo que… não, é melhor deixar em sigilo (sem spoilers por aqui!).
Basta passar os olhos rapidamente pela sinopse acima para constatar que “Happy Hour – Verdades e Consequências” exagera na quantidade de tramas e subtramas que vão surgindo à medida que a narrativa avança, o que resulta em um óbvio (e inevitável) problema no foco da história, concentrando-se em uma situação nos momentos em que deveria estar prestando atenção em outra. Tomemos a subtrama envolvendo o “Bandido-Aranha” como exemplo: ora, aquilo surge do nada e termina em lugar algum! E como se não bastasse, o roteiro de Ana Cohan, Carlos Arthur Thiré, Fernando Velasco e Eduardo Albergaria (este último também dirige o filme) ainda tropeça ao jamais encontrar um tom correto para a história, sem se definir como drama, suspense ou comédia – e isto é algo que só piora graças à direção de Albergaria, que cria momentos dramáticos quase novelescos e sequências bem humoradas que nem sempre funcionam bem (o instante em que o “Bandido-Aranha” é comentado num telejornal, por exemplo, soa exageradamente caricatural e deslocado, ainda mais se levarmos em conta que o âncora é interpretado pelo comediante Fernando Caruso).
Por outro lado, o elenco faz um esforço notável para conferir alguma personalidade ao casal que protagoniza a trama: Letícia Sabatella, em especial, se sai bem ao ilustrar a frustração diante do casamento e como este sentimento acaba se refletindo em sua carreira política, surpreendendo ao tomar atitudes que podem mudar de percurso a qualquer momento – o que também se aplica ao seu marido, que é vivido por Pablo Echarri como um escritor fracassado (sim, mais um clichê) que finalmente encontra um resquício de prestígio e aproveita seus privilégios a ponto de quase arruinar seu casamento, dizendo-se culpado pelos “desejos” que tomam conta de seus impulsos mesmo que, no fundo, esta culpa não faça muita diferença. Para completar, Luciano Cárceres encarna um personagem que tinha tudo para se tornar irritante, porém exibe uma presença em cena que o faz funcionar e soar razoavelmente equilibrado em seus esforços cômicos.
Aproveitando devidamente a beleza que as paisagens do Rio de Janeiro tendem a fornecer (há uma panorâmica que captura bem a imensidão da Urca, por exemplo), o diretor Eduardo Albergaria surpreende o espectador ao apresentar um ou outro momento relativamente inspirado, estabelecendo uma atmosfera cuja personalidade chama a atenção para si. Por outro lado, Albergaria tropeça ao ocasionalmente investir em câmeras subjetivas que nada acrescentam ao conteúdo das cenas, o que só não desaponta mais do que a insuportável trilha musical de Dario Eskenazi e seu hábito de mastigar tudo que o espectador deverá sentir do início ao fim.
Encerrando-se com um desfecho problemático que simplesmente varre para debaixo do tapete um monte de questões que deveriam ser desenvolvidas e concluídas com mais calma (o que comprova o caos existente no roteiro e o excesso de subtramas desnecessárias), “Happy Hour – Verdades e Consequências” é uma obra que traz, sim, sua parcela de bons momentos, porém tinha potencial para ser infinitamente melhor do que, de fato, é. Se o roteiro contasse com um pouquinho mais de foco e coesão, talvez o projeto fosse favorecido de modo geral.