Curta Paranagua 2024

Crítica: Em 97 Era Assim

As tais boas lembranças

Por Bruno Mendes


O filme “Em 97 era Assim​” (dirigido Zeca Brito) é um longo flashback e os acontecimentos flagrados estão no campo da memória afetiva do protagonista que vivIa os 15 anos na ano do lançamento do Titanic. Trata-se de um olhar saudosista e apaixonado em direção àquela passagem da vida repleta de alegrias e pequenas tragédias que posteriormente servem para aprendizados e risadas. O filme é sobre jovens lidando com jovens. A maior ambição é perder a virgindade. Época de pouca grana, inseguranças, paixões platônicas e invejinhas do garoto mais bonito e descolado que atrai o olhar das garotas e fica com três na mesma festa.

Ágil e engraçado, o filme capta a essência tresloucada e malcriada dos garotos com hormônios à flor da pele e o vigor narrativo vai do início ao fim. A “cara de jovem” lá está e traz alguma lembrança do competente “As melhores coisas do mundo” da cineasta Lais Bodansky, mas este exemplar é mais debochado, mais reto e capta nuances menos regradas da turminha viciada em pornografia.

A história é simples e não há alterações de rumo em prol da exacerbação de conflitos ou qualquer outra intenção. Não há subtramas. Não há pretensões idiossincráticas. O registro é “só” de quatro garotos com personalidades distintas e, por sinal, bem sublinhadas que decidem juntar dinheiro para ir a um prostíbulo. Juntos, lidam com o dia a dia no cotidiano escolar e festinhas. Bebida alcoólica e cigarrinho escondido dos pais? Por que não?

A direção de Zeca Brito é hábil ao observar com naturalidade as conversas sobre o “drama” de ainda ser virgem, o embaraço no contato daqueles adolescentes com o sexo oposto e a relação com familiares. Não é exagero estabelecer relação entre este padrão de abordagem com a simplicidade de algumas obras de Richard Linklater, esse mestre do flagrante de trivialidades.

A intenção do realizador não ganharia vida sem a boa construção de personagens pelo roteiro escrito pelo próprio Zeca e a formidável participação do elenco. Ao longo dos quase 90 minutos do filme o trabalho da garotada corresponde aos ímpetos narrativos com louvor. O ator Frederico Restori​, que interpreta o narrador Renato, empresta a discrição e certos níveis de timidez a um sujeito que embora tenha atitudes “irresponsáveis” pertinentes à faixa etária, apresenta comportamento reflexivo típico de um narrador saudosista.

O amigo mais próximo de Renato é Moreira, garoto prudente, compreensivo e idealista. Já Alemão e Pilha estão mais alinhados ao perfil “adolescente problema” e são impulsivos e debochados, ainda que em nenhum momento detestáveis. Palmas para os atores João Pedro Corrêa Alves, Pedro Diana Moraes e Julio Estam pelo carinho e presteza na condução de suas crias. Entre percepções de mundo distintas todos são jovens com objetivos em comum. A vontade de transar é a mesma. O desejo de ficar embriagado para chegar à festa da turma com coragem é a mesma. O ímpeto de se trancar no banheiro com a revista de sacanagem é o mesmo.

“Em 97 era Assim” ​é igualmente zeloso com os símbolos de um período cada vez mais distante desses tempos de smartphones, postagens no Instagram e todo o mais que está por vir. A turma caminhava pelas ruas de Porto Alegre sem tanto medo de assalto, jogos eram gravados em disquete e ,infelizmente, o reencontro pós-beijo cai por terra caso o guardanapo com o telefone anotado fosse pedido. Nem sonhavam com a comodidade do wifi! Eram tempos de sucesso do Raimundos, Supergrass, ecos de Mamonas Assassinas, sessão lotada de Titanic. Tempos que andar com o relógio analógico Cássio ou a camisa da marca Colcci era cool.

O poeta Wally Salomão pontuou que “ a memória é uma ilha de edição”. Como filme de memória, Em 97 era Assim ​recorta momentos chaves, felizes, simplórios, banais e inesquecíveis do adulto que soube rir dos seus tempos de moleque. Premiada internacionalmente como Melhor Filme no The Best Film Fest (Seattle – EUA) e Melhor Filme Juvenil Estrangeiro no American Filmatic Arts Awards (Nova York, EUA), a obra é despretensiosa e não traz novidades temáticas ou estéticas, mas encanta em razão do bom emprego dos recursos em jogo.

Nascido em 1986, Zeca Brito tinha 11 anos em 1997 e viu de perto cada nuance daqueles anos ainda analógicos. Para nossa sorte como espectador, absorveu boas influências da cultura pop e concluiu uma obra sincera e ajustada em seus caminhos.

4 Nota do Crítico 5 1

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