Pobres Meninos Ricos Africanos
Por Fabricio Duque
“Necktie Youth”, do diretor Sibs Shongwe-La Mer, estreante em um longa-metragem (que também escreveu o roteiro, foi o montador e participa como ator como September, um dos papéis principais), e que foi exibido no Festival de Berlim e no Festival do Rio, ambos em 2015, provavelmente causará polêmica por causa de seu título, que foi traduzido como “Eles Só Usam Black Tie”, pela referência explícita ao brasileiro “Eles não usam Black-tie”, de Leon Hirszman, baseado na peça de Gianfrancesco Guarnieri, e pela referência “sarcástica-racista” aos negros de Joanesburgo, África do Sul, lugar em que se passa este filme. A “sacada oportunista” dos distribuidores reverbera uma infeliz alfinetada em um mundo atual ultra-sensível que não mais aceita brincadeiras deste tipo.
Se no nosso, que venceu o Leão de Prata no Festival de Veneza, aborda um conflito familiar que se estende às assembleias e piquetes de um movimento grevista, aqui em “Necktie Youth”, temos a temática de um suicídio por enforcamento transmitido pela internet de uma jovem que “tinha tudo”, desencadeando questionamentos sobre a “verdade alienante” de uma geração rica com discursos “vazios”, entre drogas, festas nas piscinas, sexo e tédios ululantes.
“Eles Só Usam Black Tie”, longa-metragem que surgiu do curta-metragem “Territorial Pissings”, é sobre Jabz e September, com vinte e poucos anos, que vivem à deriva nesse mundo, filosofando sobre suas vidas fúteis, em Sandton, região no subúrbio de Joanesburgo que concentra o maior número de ricos e milionários de todo o continente africano. Um retrato “estudo de caso” da juventude “afogada” sul-africana pós-apartheid, recordando com afeto o ano de 1991 em uma carta-mensagem de voz (narração em off) da amiga Emily que se matou em um “ato explícito”. Inevitável não inferirmos à história da repórter Christine Chubbuck, que cometeu suicídio ao vivo na frente das câmeras de televisão.
O longa-metragem busca traduzir, pela fotografia em preto-e-branco (imagens poético-naturalista-contemplativas menos convencionais, mais cotidianas e não turísticas do lugar – que ganham cor nas lembranças de momentos Super-8) uma ambiência nostálgica de desesperança do presente e sem expectativa do futuro de uma “cidade bosta”, como se só existisse a reclamação da máxima “pobre meninos ricos”.
Estes jovens, à moda da estrutura narrativa realista-espontânea do diretor Jim Jarmusch, confrontam suas percepções, suas vivências e seus modos existenciais por conversas que precisam transcender os assuntos banais (vida típica e novidades superficiais – uma juventude “transviada” como qualquer outra – deslocada, arrogante, sem saber qual o próximo passo a seguir, mimada, ingênua, algumas “góticas”, com pressões características, “negros com dinheiro” e vivendo cada um sua vida no limite como se fossem imortais) para despertar os que até então eram ignorados social-comportamentais. “Esse povo quer lutar”, diz-se em um discurso pró-Mandela. “Todos ficam tentando encriolar tudo”, eles alfinetam com racismo.
“Eles Só Usam Black Tie” procura confundir ficção e realidade ao colher depoimentos “fora do padrão” sobre a suicida. Começam a contemplar mais a vida externa e analisam os motivos que levaram a amiga a um ato tão radical. Com jazz, hip-hop, clínicas de reabilitação, televisões grandes, vida de luxo, remédios para dormir, “Tom Cruise negro”, cafeterias, bebidas, guetos, metrossexuais, tudo busca construir uma caricatura visual a fim de quebrar paradigmas e criticar esta condução que extrapola nacionalidade e língua pátria. “Todos só estavam olhando o que queriam ver”, diz-se.
“A vida é uma droga. As pessoas são estragadas. O mundo está estragado demais”, dizem em seus discursos de efeito para potenciar o drama, a reação de choque do “Dying for freedom” e o preconceito do próprio negro de uma “África suja”. O filme deixa-se interferir pela metalinguagem, pela liberdade poética da mensagem formal de colocar dois amigos no canto e ter o sol nascendo à moda Disney “O Rei Leão”. Sim, poderia ser em qualquer lugar. A tragédia faz com que não só eles, mas todos sejamos obrigados a reavaliar as próprias vidas e debater assuntos como raça, política e sexualidade.