Um Garoto Perdido Encontra Meca
Por Fabricio Duque
“Eastern Boys”, do diretor Robin Campillo, discute com discurso direto a questão dos imigrantes, pessoas vindas de todas as partes da Europa Oriental (Ucrânia, Rússia), que vivem sem papéis em um hotel pago pelo Estado e que cometem infrações criminosas para embasar suas próprias sobrevivências. Aqui, a polêmica é desencadeada, e naturalmente construída, principalmente por sua narrativa de espontaneidade cotidiana (uma característica já repetida e impregnada no novíssimo cinema francês da câmera “mosca” que contempla as micro-ações do existir), à moda estrutural da cinematográfica de Abdellatif Kechiche, e por não suavizar , tampouco humanizar, os erros cometidos. O diretor, de origem marroquina, “protesta” como “advogado do diabo”,
O longa-metragem, inicialmente é ambientado pelo perigo iminente destes jovens “arruaceiros”, que buscam “oportunidades” com o que possuem na mão. Ou no corpo. Eles fazem tudo por “cinquenta euros”, sem falsos moralismos, sem éticas, sem culpas, vivendo à margem da sociedade por escolha própria. A vida fácil é mais confortável que um trabalho “digno”.
Nessa história, entra um homem de meia-idade, Muller (o ator Olivier Rabourdin, de “Joana D’Arc de Luc Besson”, “Chocolate”, “Atrizes”, “Meia Noite Em Paris”, “Três Lembranças da Minha Juventude”), que observa garotos bonitos e novos que frequentam a estação de trem Gare du Nord de Paris. Sua solidão galga nível deprimente, tanto que confia demasiadamente em sua ingenuidade (talvez pela auto-arrogância francesa e ou pela crença que ainda sente pelo seu próximo). Em um destes encontros furtivos, pelo submundo para conseguir sexo, nosso protagonista encanta e se interessa, de forma obsessiva, por um destes garotos da “gangue do Boss”, Marek (o ator Kirill Emelyanov). Ele toma coragem e aceita o convite feito para ir a sua casa. Ele não faz ideia que tudo não passa de uma armadilha (um quase conivente conformismo à perda e uma tranquilidade latente ao desprendimento).
Aos poucos, “Eastern Boys” (“Garotos do Leste” ou “Meninos do Oriente”), exibido no My French Film Festival, aprofunda camadas sócio-comportamentais e, pela sinestesia, expõe com requintes de crueldade, o doentio “sonho” pela posse. Nós também sentimos a queda-livre da impotência de ser um refém. Sim. A “oportunidade” destes garotos, principalmente pelo Chefe (o ator irretocável Danil Vorobyev – que realmente se entrega ao papel de vilão).
“Eastern Boys” aborda também o conceito de família em relacionamentos não-ortodoxos, mitigados de rituais, simbolismos, dogmas. O desejo transcende as barreiras como uma “pedra que tanto bate até que fura”. Marek percebe que “ganhou um presente”. Lugar confortável, roupas caras, comida farta, “Iphone branco de 64 GB” e tudo isso só por programas sexuais, que também para sua sorte, atinge a transmutação do carinho, amor real e respeito.
Muller aguenta tudo por sua solidão incurável. Retroalimenta projeções, vislumbra futuros e reconfigura a própria vida para aprender a conviver com a “criança mimada”. Um filho que necessita de cuidados, afeto e pulso forte de um pai. O filme não esmorece e não muda personagens. Todos permanecem com suas éticas maniqueístas até o final. Até a catarse definidora de salvação, enfrentando a opinião pública socialista e saindo como “inimigo”. A individualidade do que se realmente deseja justifica os meios.
A imigração é tratada como um sintoma por culpas passadas sociais e por guerras-ditatoriais geográficas. “Devido às pressões de grupos xenófobos, o governo da França implantou medidas de restrição aos imigrantes, principalmente aos do leste europeu. Segundo os líderes e adeptos desse tipo de movimento, essa aversão aos imigrantes não se deve a preconceitos por origem, e sim pela preocupação com a perda de identidade cultural, a competividade entre um nativo e um imigrante, pois o último se sujeita a menores salários e condições precárias de trabalho, isso força uma deflação geral e o aumento da violência”, disse o articulista internacional Eduardo de Freitas.
“Eastern Boys” traz questiona o problema complexo, mas mantém o argumento de que estes Eastern Boys continuarão a ser um perigo constante, “minando” a segurança da Europa e “deturpando” a paz reinante local. Concluindo, um filme que é muito mais que um filme gay, é uma chance de debater a geração perdida que imigra para “Meca” com a sensação absoluta de sucesso. Fugir dos horrores da guerra e encontrar a liberdade, porém pululada de dificuldades e xenofobia. Talvez a solução seja a defensiva criminosa sem a obrigação de um trabalho que volte a aprisionar. Recomendado.