Curta Paranagua 2024

Dentro de Casa

Metalinguagem estilística

Por Fabricio Duque

Dentro de Casa

Um dos resultados esperados do emissor quando se conta uma história é, sem sombra de dúvidas, atingir a atenção do receptor, instigando a curiosidade, fator este que será o termômetro que conduzirá de forma positiva até o fim. Porém, se o objetivo pretendido excede as expectativas, digamos, assim, que o “espectador leitor” recebe a manipulação da surpresa sem reclamar, aceitando as consequências de sua entrega à trama inteligente, direta, simples e que respeita, sempre, a sua inteligência. O diretor francês François Ozon (de “Potiche”, “8 Mulheres” e “Ricky”) sabe muito bem contar uma história, transpassando, à tela do cinema, competência e simplicidade na trama de seu mais novo filme “Dentro de Casa”, sem usar a pretensão a fim de humanizar o pedantismo literário característico no meio adulto, principalmente francês.

Ozon é um crítico nato. Irônico, com um surreal sarcástico, intimista, libertário e de ambiguidade sexual (seus personagens podem ser o que quiserem – sem limitações). Um cineasta que aborda o julgamento, que as pessoas têm sobre as coisas, pelo olhar do próprio personagem, redimindo o espectador da culpa, o “deixando” ser somente um voyeur, que observa a hipocrisia embasada dos indivíduos sociais, que possuem infinitas particularidades idiossincráticas.  “Dentro de Casa” apresenta-se como um livro, por capítulos, mostrando ações (e reações) consequentes do narrador, que conduz a própria história, “desenhando” o que é retratado a quem assiste.  A narrativa metalinguagem cria um caminho cíclico, aprisionando personagens como marionetes, equilibrando a indução interpretativa do teatro (traduzindo a metalinguagem) e a realidade fílmica da ficção (a não fantasia da história dentro da história). Logo no início, a sociedade “entra” em análise nas mãos de Ozon, traduzindo-se quase como uma sessão de terapia, retratando com naturalidade comportamental, o vestir e o despir sem nenhuma vulgaridade.

O uniforme escolar como base de igualdade entre os alunos – indicando a plastificação; a relação professor-aluno nos dias de hoje – dificuldade da atenção por causa do celular; a galeria de arte contemporânea que “apela” ao achismo simbólico; alunos piores e não criativos, “não são capazes de escrever duas frases”,  a vida “normal” da classe média; tudo isso encaminhando-se a “pizza” da literatura. Quando um professor, cansado de “ensinar o gosto pelos livros”, encontra um aluno criativo e dominador das palavras, então acontece a mitigação do complexo e o retorno à estrutura clássica, questionando a prepotência, a impaciência ao novo, a complexidade, a arrogância e a superioridade dos literários em questão. “O pior não é a ignorância deles, é o futuro. Eles são o futuro”, diz. Em “Dentro de Casa”, há também busca à interação por sinestesia pela técnica cinematográfica. A batida da música constrói os cortes das imagens e o zoom (aproximação) trabalha cirurgicamente a transposição personificada dos elementos ao roteiro. A linguagem verborragia imerge o espectador, prendendo sua atenção, fornecendo surpresas, consequências inesperadas e curiosidade aos próximos acontecimentos. Pronto, o objetivo principal de se contar uma história foi conseguido.

Ozon não deixa de imprimir o existencialismo típico (analítico, sistemático, convencional, conservador e extremamente julgador – este último responsável pela aceitação do comportamento alheio) dos franceses. “Flaubert não condena os personagens”, ensina. Eu sei, é complicado. Trocando em miúdos, surtam no início para aceitar depois. “É ironia demais para um garoto de dezesseis anos”, alfineta-se. “O melhor lugar é o fundo da classe, porque você vê todo mundo e ninguém te vê”, completa-se o diálogo do casal na fila do cinema para assistir “Match Point”, do Woody Allen. Em determinado momento, a metalinguagem fica explícita e didática, nem um pouco clichê ou piegas, mas sim de uma acidez simplista quase incômoda. “Realismo é ver por uma câmera oculta. Ou está pensando em Estilização, que é escrever o que se vê e o transforma”, diz-se, desesperadamente, definir o que pode ser somente a imaginação de uma mente fértil de alguém que só tem dezesseis anos. “É Pasolini? Apresentação versus representação?”, tenta-se.

Chegamos à conclusão de que quanto mais informação se consegue, mais se referencia ao que se sabe, retirando da percepção o “gostinho” da imparcialidade. “Sempre se pode entrar em um casa. Um dia, alguém irá precisar de algo”, finaliza-se. Então, François Ozon está em “ótima” forma, conjugando um elenco primoroso e cúmplice, fotografia lúdica deixando-se mostrar a fantasia da realidade, a música que conduz o caminho, os detalhes que montam o quebra-cabeça, definitivamente, não há falhas em “Dentro de Casa”. É um excelente exemplo de cinema de qualidade que procura o conteúdo, sem esquecer da embalagem.

5 Nota do Crítico 5 1

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