Kairo
Suavizar o voar
Por Fabricio Duque
Durante o Festival de Brasília do Cinema Brasileiro 2018
Em seu curta anterior “Lúcida”, o diretor Fabio Rodrigo, em tela diz de frente do espelho que o ar falta, que vive uma sensação de sufocamento que não sabe quando começou. Suas personagens seguem vivendo suas vidas cada vez com mais silêncios. Com quereres desistentes. Com uma resignação dos próprios sonhos sem força e sem esperança.
Em “Kairo”, seu novo filme, exibido na mostra competitiva do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro 2018, o foco é também na interrupção de uma família, mas desta vez, o acaso impõe a mudança. De uma criança que vira joguete nas mãos de um sociedade hostil e impaciente. De uma assistente social com o sonho de ajudar que tenta amenizar e preparar o terreno deste ser incapaz à moda de “A Vida é Bela”, de Roberto Benigni. E suavizar o chão que este pequeno, negro e à margem enfrentará.
Aqui, a humanidade luta com a robotizada prática da burocracia. Vidas não são mais importantes e sim mero boletim estatístico. Um procedimento automática de conduta. A câmera passeia com total calma, personificando silêncios e os estimulando em recentes e infantis lembranças, como um resgate a uma inocência perdida. Um campo mental não mais acessado.
“Kairo” é sobre a sutileza. Sobre humanizar a verdade. Sobre uma entranhada opção que se manifesta na presença imagética e na geografia desfavorecida. Em uma escola na periferia de São Paulo, a assistente social Sônia (a atriz Vaneza Oliveira, de irretocável interpretação, conjugando a economicidade com espontaneidade) precisa retirar o garoto Kairo (o ator Pedro Guilherme – completamente entregue e natural – não encena seu papel, e sim é o próprio personagem encarnado), de nove anos, da sala de aula para ter uma conversa difícil.
É um filme sobre a solidariedade da identificação. Da afinidade protetora de se estar no mesmo lugar. Ora pela cumplicidade do silêncio, ora pela importância do ouvir, à moda temática do seriado “Conselho Tutelar”, de Rudi Lagemann. É um conto. Que conserva um tom fabular na realidade dura do porvir.
“Kairo” é sobre uma luta com tempo de cinema, com suspensão de tempo e com o simbolismo do voar sem o ainda controle da gravidade. O futuro é incerto e finalizado com a frase de Marielle Franco, “Quantos mais precisam morrer para que essa guerra termine?”. Com um controle absoluto da direção.