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Crítica: Construindo Pontes

Uma experiência de lobos e cordeiros

Por Fabricio Duque

Durante o Festival de Brasília do Cinema Brasileiro 2017


Exibido no Festival de Brasília do Cinema Brasileiro 2017, concorrendo ao prêmio Candango, “Construindo Pontes” é o mais recente documentário de Heloisa Passos (que dirigiu “Entre La e Ca” e que fotografou “O Amor Segundo B. Schianberg”, “Viajo Porque Preciso, Volto Porque te Amo”, “Rânia”, “O Que Se Move”, “Mulher do Pai”). É com certeza seu filme mais pessoal, porque aceita ser personagem de si mesmo ao retratar a própria família (em especial seu pai), expondo posicionamentos políticos, raivas consequentes e confrontos desestruturados. É cinema direto que se aproveita da emoção gerada.

“Construindo Pontes” é a metáfora de um relacionamento familiar. De ligações. De distâncias e aproximações. De estreitar espaços De respeitar diferenças sobre assuntos que “tiram do sério”, como o posicionamento político. De um lado, a agressividade. Do outro, a paciência do ouvir. É uma competição. Um jogo de xadrez, que o prêmio é enaltecer o próprio orgulho com gostinho de vitória.

Heloisa é filha de Álvaro, um engenheiro civil que viveu seu auge na carreira durante a ditadura militar no Brasil. No entanto, o momento que para ele foi uma oportunidade de mostrar seu trabalho, para outros, inclusive ela, foi um tempo marcado pelo autoritarismo. Agora, entre memórias do passado e um futuro incerto diante da atual instabilidade política no País, pai e filha procuram outras formas de enxergar o mundo. É um filme plástico, poético no olhar com postergações contemplativas e sobreposições de imagens.

O documentário traduz-se por um simbolismo imagético: pontes na água, a imagem da cachoeira Sete Quedas na fronteira Brasil-Paraguay (explodida para a construção da maior usina hidrelétrica do mundo, a Itaipu – e um drone que sobrevoa que cria o sensorial). Este preâmbulo formal, conjugado com a narração da própria diretora, cria o paralelo com o passado traumático e quebrado. Ela, então, abre com este filme uma possibilidade de consertá-lo, revisitando sentimentos mais primitivos que foram adormecidos pelo conformismo do não sofrer.

“Construindo Pontes” anexa imagens de super 8, estendidas de maneira livre, orgânica, intimista, pessoal, caseira e amadora, não esquecendo, logicamente, do tratamento final. O espectador é convidado a vivenciar uma experiência. De terapia de choque. Urgente. Cognitiva. E de pressa absoluta. Para assim tentar “salvar” algum resquício de boas lembranças e encontrar a paz de seguir o futuro sem a prisão pretérita. Esta é uma “guerra”. De “cachorro grande”. Ganha quem possui uma maior paciência (sem perder a calma) e consiga atuar com mais “fofura” e espirituosa perspicácia na frente da câmera.

São dois lados em conflito. Uma loba versus um “pseudo” carneiro. Ele aprendeu a tirar a filha de seus limites. Ela ainda está em um “intolerante” processo de aprendizado e exibe imagens antigas enquanto a câmera observa a expressão deles. Ela implica. Ele cede com ternura. Ela busca a verdade. Ele interpreta a mentira com máscaras, ganhando nossa cumplicidade. Ela não se dá por rogada e vai mais fundo no jogo.

“Só na revolução houve um projeto de país na época dos militares. O Brasil foi ocupado de obras produtivas. Militares muito corretos”, diz ele combatendo com equilíbrio que faz com que sua “Helô” enerve-se com reações quase adolescentes (quando contrariadas). Ela briga. Eles não se entendem. “Na nossa casa, a gente nunca fala daquilo que perdeu”, diz-se. O pai participou das obras que geraram “progresso”. De ferrovias para tornar econômico o sistema do Paraná. “É da riqueza que sai o benefício”, diz lúcido.

“Construindo Pontes” é uma obra altamente pertinente, porque entra em cartaz nos cinemas em um período tenso da História de nosso país. Hoje não há espaço para centristas. Ou se escolhe a cor vermelha ou o verde e amarelo. É o “Fla x Flu” político. Ela “pega pesado” com o pai, brigando com ele na frente da câmera, como um desabafo, um monólogo de expurgar de maneira passional os demônios e opiniões da alma. Indo mais fundo e mais longe. A mãe desiste mais “submissa”. E a câmera é cortada: “Essa discussão não é o filme”. Não há como referenciar “Os Dias Com Ele”, de Maria Clara Escobar; e ou “O Futebol”, de Sergio Oksman.

Tudo é conversado. Sem censuras. A exibição de “Polícia Federal”. O “objetivo da Lava-Jato”. Infância e o sentir proteção (“O mundo era perfeito”). Heloisa faz o que quer com seu pai, o dirigindo e dando “cenas”, como o fingir cortar a grama. Ele concorda para fazer sua filha feliz e ter seu filme (mas diz com implicâncias “O Lula não está em 2018”). É altamente político, mas é muito mais sobre as consequências em suas vidas e existências familiares. É um “barraco” com alterações de voz. É um lugar de conflito e convivência. É um filme sobre “arbitrariedade”. “Sergio Moro não é herói. É só um bonitão midiático”, grita com brigas e mais brigas, se envolvendo emocionalmente. “Não pode generalizar minha história”, diz.

“Construindo Pontes” é uma narrativa construída, que se concebe filmando e descobre na edição o tom amalgamado. É sobre “não deslizar na água”, “fazer força”, sobre descobrir o que precisa ter para uma boa sincronização (“o sol se pondo?”). Tudo embalado na voz de Belchior e sua “Voz da América”.

3 Nota do Crítico 5 1

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