Cavalo de Guerra
Um cavalo perdido em um filme
Por Fabricio Duque
“Cavalo de Guerra” apresenta-se como o mais recente filme do diretor Steven Spielberg. É inevitável a expectativa, devido à carreira emocional deste cineasta, que muitas vezes, soa autobiográfica, expressando pelo fato de ser judeu e pelo amor incondicional ao cinema. Esta paixão é observada ao longo de sua filmografia. Uma das características é a inserção do elemento emocional, manipulando tanto pela trilha sonora de John Williams – parceiro de longa data, de sucessos como “Tubarão” (1975), “Contatos Imediatos de Terceiro Grau” (1977), “Os Caçadores da Arca Perdida” (1981) e “E.T., o Extra-terrestre” (1982) – quanto pela história em si. Spielberg conserva o lado passional de adolescente que amadurece com as reviravoltas do caminho percorrido. Este fator é tão explícito que Kevin Williamson criou a série televisiva “Dawson´s Creek”, tendo como protagonista o sonhador Dawson Leery (James Van Der Beek), um apaixonado por cinema, principalmente pelos filmes do diretor em questão aqui, extremo defensor dos existencialismos e positivismos, em cenas antológicas. Dawson cresce com os percalços de sua trajetória, não perdendo a fantasia e o otimismo, mas adquirindo realismo, como o discurso de uma professora de cinema no colégio. “A sua produção é frouxa, totalmente insípida, não existe enredo, com diálogos inverossímeis. Uma novela grotesca, cheios de hipérboles auto-referenciais e clichês disfarçados de paródia, quase um plágio. Hollywood vai te comer vivo”.
Assim como o protagonista, Steven Spielberg realiza o crescimento de seus personagens. Em “Cavalo de Guerra”, o espectador infere inúmeras características (e referências) ao seu trabalho e a outros filmes. É um longa-metragem que personifica um cavalo em protagonista real, quase humano, por causa das reações interpretativas deste animal. Repetimos sem parar a pergunta “Como foi que o diretor encontrou este ator maravilhoso?”, estou falando do ser de quadrúpede. “Como foi que conseguiu extrair tamanha sutileza, com enorme sensibilidade?”. O ponto mais importante é a figura animal, sem dúvida, que tanto permeia todo o filme, quanto gera a sinestesia de quem assiste. A narrativa mescla inúmeros gêneros cinematográficos e homenagens. Pode ser visto como um filme de guerra, lembrando o início magistral de “O Resgate do Soldado Ryan”; pode ser digerido como um faroeste de John Ford, por causa dos ângulos de câmera e a velocidade empregada; pode remeter a “Império do Sol”, principalmente por mitigar, momentaneamente a visão de um personagem; e a cena mais marcante do filme, que é a do final, com fotografia sombreada, de uma beleza impar, pode ser referenciada ao clássico “ E o Vento Levou…”.
É uma colcha de retalhos, talvez épico, talvez novelesco, por ser baseado no livro best-seller homônimo de Michael Morpurgo, lançado em 1982, que conta a história de Ted Narracot (Peter Mullan), um camponês destemido e ex-herói de guerra. Com problemas de saúde e bebedeiras, batalha junto com a esposa Rose (Emily Watson) e o filho Albert (Jeremy Irvine) para sobreviver numa fazenda alugada, propriedade de um milionário sem escrúpulos (David Tewlis). Cansado da arrogância do senhorio, decide enfrentá-lo em um leilão e acaba comprando um cavalo inadequado para os serviços de aragem nas suas terras. O que ele não sabia era que seu filho estabeleceria com o animal uma conexão jamais imaginada. Batizado de Joey pelo jovem, os dois começam seus treinamentos e o cavalo desenvolve aptidões, mas a 1ª Guerra Mundial chega e a cavalaria britânica o leva embora, sem que Albert possa se alistar por não ter idade suficiente. Já nos campos de batalha e durante anos, Joey mostra toda a sua força e determinação, passando por diversas situações de perigo e donos diferentes, mas o destino reservava para ele um final surpreendente. O filme tenta seguir a lógica das tramas clássicas: simples, palatáveis, sem muitas histórias paralelas, mas com reviravoltas da mesma, prendendo a atenção do espectador, que sofre e luta pelo protagonista (o cavalo), despertando o sentimento mais primário do ser humano. Podemos perceber outras características narrativas. O pai cansado, teimoso, autoritário e defensivo, na bebida e nas relações sociais. A mãe obediente, caseira, resignada, apoiando a família. O filho passional, catártico, impulsivo, sonhador, livre das marcas da vida (ainda).
O avô que prefere olhar para baixo para sobreviver à Guerra. A neta que imprime quase a mesma inerência do criador do cavalo. O elemento metafórico da guerra busca explicar o embate de cada dia, a nossa guerra diária. A necessidade de ser persistente, desafiador e não desistir nunca. As situações motivam aprendizados, como limitações definidoras que são desarticuladas, tanto a figura animal, quanto a figura pensante. No roteiro, cavalos não são cães, mas possui um instinto e perspicácia que se assemelha ao individuo social, retirando a influência destruidora, apenas mantendo a base, o bruto, a incondicionalidade do momento. O espectador pode rebater dizendo que a estrutura é piegas e clichê, piorando quando a mistura é a máxima apresentada. Mas isto já é fato conhecido do diretor, como por exemplo, em “A Cor Púrpura”, “Contatos Imediatos de Terceiro Grau”, “E.T”, até mesmo no seu filme mais adulto “Amistad”, não esquecendo a polêmica que envolveu o último filme de Stanley Kubrick “A.I – Inteligência Artificial”, quando a obsessão por extraterrestres fala mais alto e o melodrama precisa acontecer a fim de corroborar a estrutura já definidora de Spielberg.
O choro é uma conseqüência esperada, não por ingenuidade ou pretensão, mas porque atinge a verdadeira essência da alma humana. Com certeza, “Cavalo de Guerra” comporta-se como frágil, apelando a gatilhos comuns, como na cena de união entre inimigos, mostrando que a guerra é algo sem sentido, com jovens despreparados e influenciados por um discurso unilateral de um ditador com sérios problemas psicológicos. Ser forte é o axioma visto (pelos que ainda não perderam a esperança) de forma não questionadora, repetido como elemento de auto-ajuda, para que assim a sobrevivência ocorra e o orgulho permaneça, com vitória ou não. Concluindo, “Cavalo de Guerra” merece ser visto, muito mais pela interpretação magnífica do cavalo (que deveria sim ser indicado ao Globo de Ouro e ou ao Oscar) do que pela história em si e pelos humanos que a constituem; e pela trilha sonora melodramática, mas estonteante, de John Williams. Inteiramente rodado em diversas locações da Inglaterra, no Reino Unido. É o primeiro filme de Steven Spielberg a ser editado digitalmente. O diretor era um defensor ardoroso do método antigo, com a película sendo cortada manualmente na mesa de edição. Indicado ao Globo de Ouro 2012 nas categorias Melhor Filme – Drama e Melhor Trilha Sonora.